Indemnizações pagas aos proprietários de escravos registadas numa base de dados

No âmbito do projeto de investigação “Reparações”, uma equipa do Centro Internacional de Investigação sobre Escravatura e Pós-Escravatura do CNRS traçou a atribuição e circulação de títulos de indemnização no século XIX nas antigas colónias esclavagistas francesas, informações publicadas sob a forma de uma base de dados, a primeira do género.

“Após abolir a escravatura pela segunda vez a 27 de abril de 1848, em 1849, a França concedeu uma indemnização aos antigos proprietários de escravos do império colonial, na Reunião, Martinica, Guadalupe, Guiana, Senegal e Nosy Bé e Sainte-Marie de Madagáscar. Através desta medida controversa, o Estado tentou salvaguardar os seus interesses económicos nas colónias cuja posse estava em perigo, uma vez que os colonos ameaçavam abandonar esses territórios. 126 milhões de francos de ouro ser-lhes-iam atribuídos sob a forma de um pagamento imediato em dinheiro (6 milhões) e de uma anuidade anual de 6 milhões durante 20 anos, com montantes diferentes para cada colónia: um valor que representava uma proporção significativa das despesas públicas (o rendimento nacional na altura era da ordem dos 10 mil milhões de francos de ouro, 126 milhões representavam, portanto, 1,3% do rendimento nacional. Atualmente, o rendimento nacional é de cerca de 2100 mil milhões de euros e, aplicando a mesma proporção, a compensação representaria 27 mil milhões de euros.

Este trabalho permitiu demonstrar que as indemnizações não estavam reservadas apenas aos grandes proprietários de terras: mais de 30% dos beneficiários eram pessoas de cor que possuíam alguns escravos (nestas sociedades, o trabalho assalariado não existia). Além disso, alguns títulos mudaram de mãos, a fim de saldar as dívidas dos antigos proprietários: deste modo, era possível alguém tornar-se detentor de tais títulos como credor, sem ter sido proprietário de escravos. Esta base de dados, fruto de dois anos de trabalho com base em várias dezenas de milhares de documentos de arquivo, pretende ser evolutiva e colaborativa: deve ser completada no decurso de investigações futuras, ou por utilizadores que desejem apresentar fontes passíveis de enriquecer os dados biográficos e genealógicos.

Consulte a base de dados

20 anos da lei Taubira. O Conselho departamental da Reunião anuncia um atlas da escravatura para 2023

O Conselho departamental anunciou o lançamento de um atlas da escravatura, na ilha da Reunião, por ocasião do 20.º aniversário da lei de 21 de maio de 2001 sobre o reconhecimento do tráfico de escravos e da escravatura como um crime contra a humanidade e como prelúdio para o futuro museu Villèle.

 

Apresentação

• Não existe um atlas consagrado à escravatura na Reunião. No entanto, tal ferramenta é necessária para compreender a forma como a escravatura afetou, em vários campos, o território, as pessoas e a sua memória.

Porquê um atlas?

• Um atlas é uma coleção de mapas que permite localizar e fornecer uma leitura espacializada dos acontecimentos históricos, dando-nos a possibilidade de compreender como evoluíram cronologicamente e geograficamente.

Informação completa

O atlas:
• Mapeará os lugares físicos e simbólicos relacionados com a escravatura:
– As antigas “habitações” (propriedades)
– Os lugares de marronage (fuga de escravos)
– Os lugares e objetos da memória
– O património material e imaterial
– Os topónimos ou a escravatura na paisagem
– Os serviços públicos de investigação e cultura (arquivos, universidades, museus, centros de recursos, etc.)

• Detalhará todas as informações disponíveis e identificadas relativamente a cada local.

Uma ferramenta moderna e acessível

O atlas:
• Será digital, disponível gratuitamente online, de uma forma dinâmica, intuitiva e interativa.
• Será enriquecido à medida que o conhecimento avança.
• Poderá ser publicado como um atlas físico.

Um projeto unificador e colaborativo

• A implementação de um projeto deste tipo é complexa. Requer a colaboração científica, cultural, técnica e material de um grande número de parceiros (mundo da investigação, sociedades eruditas, associações…).
• Também precisa de apoio popular.
• E em todas estas áreas, necessita do apoio do Estado, das autarquias locais, das instituições científicas e culturais, das fundações e empresas privadas através do patrocínio.

Calendário

2021: inventário, constituição do corpus documental
2022: desenvolvimento da cartografia
2023: lançamento online/inauguração dos primeiros conteúdos.

Furcy, o julgamento da liberdade

Pesquisa, livro, exposição, peças de teatro, filme… a história do escravo Furcy, que foi alforriado e que reivindicou toda a sua vida o estatuto de homem nascido livre, inspira cada vez mais os nossos contemporâneos.

 

Em 2019, no final do ano comemorativo do 170.º aniversário da abolição da escravatura, o Departamento da Reunião apresentou no Museu Villèle, o museu da história da “habitação” (propriedade) e da escravatura, uma exposição inédita que recebeu a distinção de exposição de interesse nacional: «A estranha história de Furcy Madeleine 1786-1856».

Em 2021, foi lançado um filme de 52′, escrito e realizado por Pierre Lane: Furcy, le procès de la Liberté. Foi transmitido no dia 13 de maio, no portal Outre-mer 1ère, no âmbito do Dia Nacional em Memória do Tráfico de Escravos, da Escravatura e sua Abolição e por ocasião do 20.º aniversário da Lei Taubira.

Uma batalha judicial de 27 anos

Em 1817, na Ilha Bourbon, o escravo Furcy atreveu-se a desafiar o seu senhor, Lory, pelo seu estatuto de escravo, afirmando ter nascido livre de uma mulher de origem indiana, Madeleine, que deveria ter sido alforriada anos antes, aquando de uma viagem a França. .

Por mais de um quarto de século, de 1817 a 1843, Furcy lutou para que o seu estatuto de homem nascido livre lhe fosse reconhecido. Esta longa batalha levou-o primeiro à prisão em Bourbon, depois à Maurícia, inicialmente como escravo e posteriormente como alforriado, e por fim a Paris onde as suas reivindicações foram finalmente reconhecidas pela justiça francesa.

Como é que isto foi possível? Que tipo de homem era Furcy?

Este documentário retrata o itinerário deste homem fora do comum. A história desenrola-se a partir de documentos de arquivo (cartas, memórias, atas), testemunhos de historiadores e desenhos animados.

Passando pela Ilha da Reunião, por Maurícia e Paris, reconstrói-se gradualmente, como um puzzle, a trajetória de uma vida inimaginável: com as suas aventuras, os seus dramas, os seus mistérios, bem como as suas ambiguidades. .
É a história de um homem solitário, no meio da tormenta esclavagista que esmagou milhões de pessoas. É a história de um homem inabalável na sua convicção: ele quer justiça. É a história de um homem que afirma a sua pertença à raça humana, a sua emancipação, a sua singularidade como ser humano. É a história de um escravo chamado Furcy, que depois de tantas provações, encontrou através do seu novo patronímico: Furcy Madeleine, a dignidade que lhe tinha sido negada durante tanto tempo.


FURCY, LE PROCÈS DE LA LIBERTÉ
Escrito e realizado por Pierre Lane
Produzido por Fabienne Servan Schreiber e Estelle Mauriac (Cinétévé)
Em coprodução com Gao Shan Pictures e France Télévisions
O filme está disponível para replay em France.tv até 12/06/2021

 

Saiba mais

Homenagem ao historiador Hubert Gerbeau (1937-2021)

O historiador Hubert Gerbeau, pioneiro da investigação sobre a escravatura na Ilha da Reunião, faleceu a 3 de abril de 2021. O Departamento da Reunião presta-lhe homenagem.

 

 

Hubert Gerbeau, historiador, eminente especialista na história da escravatura em Bourbon, acaba de falecer. Em meu nome e em nome de todos os conselheiros do departamento, gostaria de prestar homenagem à sua memória e expressar o nosso mais profundo pesar à sua família.

Na Universidade da Reunião, onde contribuiu para a formação intelectual de várias gerações de estudantes, e mesmo depois de a ter deixado, ao longo da sua carreira docente e muito depois de a ter terminado, Hubert Gerbeau dedicou um trabalho incansável de investigação e escrita à compreensão da questão da escravatura na nossa Ilha.

O seu trabalho pioneiro, rigoroso e científico – como evidenciado em numerosos livros e que a sua tese sobre a Escravatura em Bourbon nos séculos XIX e XX consagrou em 2005 – continuará certamente a ser uma referência.

A Assembleia departamental teve trocas enriquecedoras e confiantes com Hubert Gerbeau. Neste contexto, fez parte da comissão organizadora do 150.º aniversário da abolição da escravatura em 1998, e em 2018 aceitou o convite para ser membro honorário do Comité Científico do futuro Museu Villèle, o museu da habitação (propriedade) e da escravatura.

O portal digital Histoire et mémoires de l’esclavage à La Réunion (História e memórias da escravatura na Ilha da Reunião), para o qual contribuiu, presta-lhe agora homenagem.”

Cyrille Melchior,
Presidente do Conselho departamental da Reunião

 

 

Leia o artigo de Hubert Gerbeau publicado no sítio :

O comércio ilegal de escravos em Bourbon, no século XIX

 

Bibliografia :

Trabalhos científicos :

Martin Luther King / Hubert Gerbeau. – Paris : Éditions universitaires, 1968. – 166 p., 20 cm

Les esclaves noirs : pour une histoire du silence / Hubert Gerbeau. – Paris : A. Balland, impr. 1970. – 1 vol. (216 p.) ; 23 cm

Brèves réflexions sur le sort de la femme esclave à l’île de La Réunion au 19e siècle / Hubert Gerbeau. – Saint-Denis : [s.n.], 1973. – 1 vol. (19 p.) ; 30 cm

Des minorités mal connues : esclaves indiens et malais des Mascareignes au XIXème siècle / Hubert Gerbeau. – [Aix-en-Provence] : IHPOM, 1978. – 1 vol. (84 f.) ; 30 cm

La traite esclavagiste dans l’océan Indien : problèmes posés à l’historien, recherches à entreprendre / Hubert Gerbeau.
– [S.l.] : [s.n.], 1978. – P. 193-217 ; 30 cm

Presse et esclavage à l’île de La Réunion au temps de l’émancipation / Hubert Gerbeau ; [textes réunis par]Jean Antoine Gili et Ralph Schor . – Paris : publications de la Sorbonne, 1988. – P. 41-49 : couv. ill. en noir et en coul. ; 30 cm

Les esclaves noirs : pour une histoire du silence : 1848-1998, 150e anniversaire de l’abolition de l’esclavage, Île de la Réunion / Hubert Gerbeau. – [Saint-Denis] : Conseil général de la Réunion ; Saint-André : Océan éd., 1998. – 195 p. ; 22 cm. – (Collection 20 désanm)

De l’esclavage / Hubert Gerbeau, Issa Asgarally, Jean-François Reverzy. – Saint-Denis (La Réunion) : Grand Océan, 2005.
– 1 vol. (104 p.) ; 21 cm

L’esclavage et son ombre : l’île de Bourbon aux XIXe et XXe siècles / Hubert Gerbeau ; sous la direction de Gérard Chastagnaret. – Université de Provence 2005. – Thèse de doctorat d’État Histoire

Les esclaves noirs : pour une histoire du silence / Hubert Gerbeau. – Paris : les Indes savantes, impr. 2013, cop. 2013. – 1 vol. (203 p.) : couv. ill. ; 24 cm

 

Obras literárias :

Swèdjana (le fou d’Afrique). – Paris : Flammarion, 1980. – 157 p.

Nostalgies de couleurs : suite de textes / sur des dessins de Raphaël Ségura ; préface de Gilbert Aubry. – Saint-André (Réunion) : Océan Editions, 1990. – 108 p.

Visions et visages : suite de textes accompagnant l’exposition de 40 tableaux de Jean-Jacques Martin organisée dans les locaux du Port Autonome de Marseille (2001).

Le Voyageur : conte. –  In La Corne de Brume, n° 2, 2003, p. 70-84.

Noc. –  Paris :  Editions Le Bretteur, 2004. – 228 p.

LIA. D’un paradis l’autre. –  Paris, Les Indes savantes,  2006. –  352 p. – (Collection du cannibale)

La Négresse de paradis. –  Paris : Les Indes savantes, 2011. –  216 p. – .  (Collection du cannibale)

Foutu foot. – Saint-Denis : Édilivre, DL 2015. – 1 vol. (107 p.) ; 21 cm

 

Publicações na Internet :
http://classiques.uqac.ca/contemporains/gerbeau_hubert/gerbeau_hubert.html

L’Océan Indien n’est pas l’Atlantique. La traite illégale à Bourbon au XIXe siècle.” Um artigo publicado em Outre-Mers, revue de la société française d’Histoire d’Outre-mer, n° 336-337, Dezembro de 2002, Paris, p. 79-108 (coordenação do dossiê temático “Traites et esclavages: vieux problèmes, nouvelles perspectives ?” por Olivier Pétré-Grenouilleau, p. 1-282).

Maladie et santé aux Mascareignes: une histoire aux prises avec l’idéologie”. Um artigo publicado emo livro sob a direção de Jean-Luc Bonniol, Gerry L’Étang, Jean Barnabé e Raphaël Confiant, Au visiteur lumineux. Des îles créoles aux sociétés plurielles. Mélanges offerts à Jean Benoist, pp. 557-574. Petit-Bourg, Guadeloupe: Ibis Rouge Éditions, GEREC-F/Presses universitaires créoles, 2000, 716 pp.

La famille Mabit dans les Hauts de la Réunion. Une contribution au mythe insulaire”. Um artigo publicado em De la tradition à la post-modernité. Hommage à Jean Poirier, pp. 257-265. Textos recolhidos por André Carénini e Jean-Pierre Jardel. Paris: Les Presses universitaires de France, 1996, 1ª edição, 487 pp.

LES INDIENS DES MASCAREIGNES. Simples jalons pour l’histoire d’une réussite (XVIle-XXe siècle)”. Um artigo publicado em l’Annuaire des pays de l’Océan indien, XII, 1990-1991, pp. 15-45. Éditions du CNRS / Presses universitaires d’Aix-Marseilles, 1992.

La liberté des enfants de Dieu. Quelques aspects des relations des esclaves et de l’Église à la Réunion”. Um artigo publicado em Problèmes religieux et minorités en Océan indien. Table ronde IHPOM, CHEAM, CERSOI. Sénanque, mai 1980, pp. 45-95. Institut d’histoire des pays d’outre-mer, Université de Provence. Études et documents, no 14, 1981.

Des minorités mal connues: esclaves indiens et malais des Mascareignes au XIXe siècle”. Table ronde sur “Migrations, minorités et échanges en Océan Indien, XIXe-XXe siècle”, Sénanque, 1978, Études et Documents, Aix-en-Provence, IHPOM (Institut d’Histoire des Pays d’Outre-Mer), Université de Provence, n° 11, 1979, p. 160-242.