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Entre o esquecimento e o abuso da memória, o que pode a história fazer?

Um artigo escrito por o historiadora Reine-Claude Grondin

 

O reconhecimento oficial da escravatura na Reunião, em 1983 e 135 anos após a sua abolição, veio reforçar a ideia de que o silêncio em torno deste passado resulta de uma política deliberada de amnésia coletiva orquestrada pelos antigos proprietários e seus descendentes.

 

 

Com efeito, escrita exclusivamente por esses protagonistas, a história da escravatura difundiu uma representação suavizada da escravatura e criou o mito de uma colónia modelo invisibilizando a violência do sistema servil para o público letrado. Foi esta narrativa da história instrumentalizada ao serviço da expansão colonial francesa que se impôs a um público limitado até meados do século XX. Na ausência de uma elite composta pelos alforriados de 1848, não se produziu uma narrativa alternativa à memória aristocrática.

A falta de reconhecimento oficial, todavia, não impediu a sobrevivência de memórias privadas e familiares, dinâmicas e heteróclitas tal com uma manta de retalhos. A mobilização desta memória a partir da terceira geração de descendentes de alforriados impôs ao presente este passado privado de uma narrativa até aos anos 1970 e 1980.

 

 

Esta década marcou o início da apropriação coletiva do facto servil, mas permanece o conflito das memórias que é sustentado por uma visão segmentada do passado da Reunião, à imagem dos lugares de memória. No entanto, o facto servil teve um impacto em todo o edifício social, provocando uma transformação antropológica e tornando todos os Reunionenses herdeiros de um sistema socioeconómico. Cabe, portanto, aos historiadores trabalhar na escrita deste passado do qual cada um retira elementos da sua própria genealogia.

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Inscrição dos registos da escravatura do império colonial francês na lista do Património Mundial da UNESCO

Dia 18 de maio de 2023, os Registres identifiants les personnes en esclavage dans les anciennes colonies françaises (1666-1880) foram inscritos no registo internacional do programa «Memória do Mundo» da UNESCO. Estes documentos incluem acervos conservados pelos Arquivos Departamentais da Reunião.

Desde 2021, o Departamento da Reunião apoia oficialmente o pedido de inscrição apresentado pela Fundação para a Memória da Escravatura (FME) e congratula-se com a conclusão deste processo.

 

 

 

O registo «Memória do Mundo» da UNESCO visa simultaneamente salvaguardar o notável património documental da humanidade e facilitar o acesso ao mesmo. Sob a égide da FME, a França e o Haiti propuseram conjuntamente um corpus emblemático, documentos que identificam nominalmente as pessoas escravas nas antigas colónias francesas (século XVII – 1848), assumindo diversas formas: certidões católicas, registos de alforria, recenseamentos e registos de fugitivos.

O sistema esclavagista negava a existência civil dessas pessoas: estes registos são os raros vestígios escritos que lhes restituem uma réstia de individualidade e de humanidade. O seu interesse histórico é inegável, tal como o seu interesse social, num contexto de crescentes pesquisas familiares e de procura de identidade.

A inscrição no registo da «Memória do Mundo» consagra o reconhecimento internacional do valor patrimonial destes documentos e do trabalho realizado pelas instituições.

 

 

 

 

 

 

 

Nas últimas décadas, os Arquivos Departamentais da Reunião têm vindo a trabalhar no sentido de classificar, restaurar, digitalizar e promover essas coleções: os registos de alforria mantidos desde 1832 e os registos especiais de 1848 estão disponíveis online e acessíveis a toda a gente, tendo sido apresentados fisicamente ao público em diversas exposições (1998: Regards croisés sur l’esclavage, 1794-1848; 2013 : Les Noms de la liberté, 1664-1848: de l’esclave au citoyen ;
e 2019: Le jour de l’abolition. Dissiper la brume).

 

 

 

 

Através deste projeto a longo prazo, o Departamento da Reunião demonstra o seu empenho inabalável em tornar acessível a todos este património complexo ligado à memória da escravatura.