Identidades enraizadas na escravatura
De dia 18 de dezembro de 2023 a dia 30 de outubro de 2024, o Museu histórico de Villèle recebe a exposição My Name is February (O meu nome é February) concebida pelo Museu Iziko Slave Lodge na Cidade do Cabo, África do Sul.
A Ilha da Reunião e a África do Sul partilham uma história comum de escravatura. A fim de partilhar esta história, o Departamento da Reunião assinou um acordo de parceria com os Museus Iziko da África do Sul. Este acordo inscreve-se no âmbito do projeto de criação do Museu da propriedade e da escravatura na Ilha da Reunião. O acordo resultará num intercâmbio de exposições entre o Museu Villèle e o Slave Lodge Museum, duas instituições patrimoniais que trabalham sobre o mesmo tema, centrado na história da escravatura.
No final de 2023, os visitantes podem esperar uma série de exposições interdisciplinares. Enquanto os africanos descobrem The Name of Freedom (O Nome da Liberdade), uma exposição dos Arquivos departamentais da Ilha da Reunião, desde 1 de dezembro, os visitantes de Villèle poderão ver My name is Frebruary (O Meu Nome é fevereiro) a partir de 19 de dezembro.
Os escravos foram levados para o Cabo pela Companhia Holandesa da Índias Orientais com vista a servirem de mão de obra forçada na colónia do Cabo em expansão. O primeiro navio carregado de escravos foi enviado em 1658 e desde esse ano até inícios do século XIX, mais de 63 000 homens, mulheres e crianças foram arrancados aos seus lares situados em Madagáscar, Moçambique, Zanzibar, na Índia ou até nas ilhas das Índias Orientais tais como Sumatra, Java, Celebes, Ternate e Timor (Indonésia), para serem levados para o Cabo enquanto escravos.
Despossuídos das suas casas, famílias, amizades, cultura, língua, religião e identidade, os escravos tornavam-se propriedade de outrem, deixavam de ter qualquer direito sobre os próprios filhos, a sua produção e reprodução eram controladas, não podiam possuir bens e tampouco fruíam da liberdade de escolher para quem trabalhariam ou o tipo de trabalho que efetuariam.
Inicialmente, a Companhia Holandesa da Índias Orientais era a principal proprietária de escravos do Cabo contudo, com o passar do tempo, cada vez mais cidadãos livres (chamados “free burghers”) ocupavam as terras do Cabo onde também obrigavam os escravos a trabalhar pelo que, no início do século XVIII, o número de pessoas escravizadas que “pertenciam” a cidadãos livres aumentou.
Os “escravos da Companhia” mantinham, em regra geral, o seu nome – embora os funcionários se equivocassem na ortografia acrescentando-lhe o nome da sua região de origem (por exemplo, Abasembie van Zanzibar, Nelanga van Mosambique, Mabiera from Madagascar, Toemat van Sambouwa, Domingo van Malabar etc.) –, ao passo que os cidadãos livres davam novos nomes aos “seus” escravos, despossuindo-os da sua identidade.
Por vezes, os cidadãos livres escolhiam nomes clássicos para os escravos, amiúde inspirados em imperadores ou numa figura mítica, tais como Alexandre, Hector, Tito, Aníbal, mas também nomes do Antigo Testamento como Adão, Moisés, Abraão e David, ou ainda nomes ridículos e injuriosos como por exemplo Dikbeen e Patat. No entanto, vários eram os proprietários que atribuíam aos escravos o nome do mês em que chegavam ao Cabo, por exemplo February, April e September.
Realizada com base em entrevistas a pessoas cujos apelidos derivam de meses do calendário, esta exposição abre uma reflexão sobre a forma como o passado esclavagista, frequentemente esquecido e negligenciado, moldou o nosso património, não só no Cabo, mas em toda a África do Sul. Ao contar esta história, queremos prestar homenagem às milhares de pessoas, desenraizadas à força de várias partes de África e da Ásia, que foram trazidas para o Cabo e cujo trabalho contribuiu para a edificação de cidades, aldeias e explorações agrícolas na África do Sul.
«Se decidir deitar-se, ficará deitado. Mas cabe-lhe a si decidir erguer-se – e eis as histórias das pessoas que se ergueram. São histórias de esperança.» Arcebispo Emérito Desmond Tutu