Um artigo redigido por o historiadora de África Klara Boyer Rossol.
Nascido no seio de uma família aristocrática franco-mauriciana, Eugène Huet de Froberville (1815-1904) era um abastado rentista versado em artes e ciências.
Na década de 1840, dedicou-se a um estudo etnológico aprofundado sobre «as línguas e as raças da África Oriental a sul do equador», realizando a sua investigação com o apoio de antigos cativos africanos deportados para as Ilhas Mascarenhas através do comércio ilegal de escravos.
Em novembro de 1845, durante a sua curta estadia em Bourbon, Froberville entrevistou cerca de duzentos «Moçambiques», deles recolhendo vocabulários de línguas da África Oriental e relatos que atestam a violência da escravatura nesta ilha de plantação colonial. Nascido nas Maurícias numa família de proprietários de escravos, Eugène Huet de Froberville ter-se-á conscientizado, durante a sua estadia em Bourbon, da necessidade de abolir a escravatura nas colónias francesas.
A família Huet de Froberville forjara laços estreitos com famílias de colonos franceses originários das ilhas Maurícias (que se tornariam inglesas em 1810) que se haviam estabelecido em Bourbon na década de 1820, como por exemplo as famílias Lory e de Tourris, com quem Eugène de Froberville e a esposa permaneceram durante a sua estadia em Saint-Denis, Sainte-Marie e Sainte-Suzanne.
Froberville aprendeu vocabulários de línguas da África Oriental, graças a escravos dessas famílias, que registou em cadernos. Há muito conservados nos arquivos particulares de Froberville (em França), os cadernos, as anotações manuscritas, a correspondência e os desenhos de Eugène de Froberville são fontes inestimáveis para reconstituir a sua investigação em Bourbon e transmitir as vozes de africanos escravizados.
Dos «Moçambiques» entrevistados por Froberville em Bourbon, foi possível identificar quatro homens e uma mulher, cujos nomes, origens, línguas, práticas culturais, bem como uma parte das suas trajetórias de vida foram reconstituídos. Deportados por volta de 1820-1830 do atual Moçambique para Bourbon, essas pessoas faziam parte dos últimos cativos a serem escravizados nesta colónia francesa do oceano Índico. A conservação das línguas, dos nomes originais e das práticas culturais da África Oriental no contexto da escravatura surgem como formas de resistência destes sobreviventes da travessia forçada dos mares.
____________________________________________________________________________
Klara Boyer-Rossol é historiadora e curadora. A sua tese de doutoramento sobre os «Makoa» em Madagáscar ocidental (Universidade Paris 7) foi galardoada com o prémio de tese 2015 do Comité Nacional para a Memória e História da Escravatura (CNMHE). Investigadora e membro do Centro Internacional de Investigação sobre a Escravatura e a Pós‑Escravatura (CIRESC), é atualmente bolseira internacional (2024-2025) no Bonn Center for Dependency and Slavery Studies (BCDSS) da Universidade de Bona.