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Os escravos de confiança e os seus senhores em Bourbon no século XIX

Um artigo redigido por Albert Jauze, Doutor em História.

A ideia de uma relação de confiança entre as pessoas escravizadas e os seus senhores, que à primeira vista pode surpreender, merece ser analisada à luz das fontes arquivísticas. Os homens e as mulheres que tinham plena autoridade sobre os seus escravos testemunharam, de facto, em documentos autênticos, os laços que os uniam.
A confiança estabelecia-se de diversas maneiras. Começava na infância, entre a ama («nénaine») e a criança, prosseguindo ao longo da vida. Baseava-se no reconhecimento das qualidades da pessoa escravizada por parte do proprietário. O serviço dedicado, por vezes ao longo de várias gerações, bem como os cuidados prestados durante as doenças, contribuíam para reforçar esses laços.

[Momento de descanso na propriedade: Ama sentada na relva com três crianças e dois cães]. Jean-Joseph Patu de Rosemont. [1810]. Desenho, sanguínea.
Col. Arquivos departamentais da Reunião, inv. 26J16

Embora não seja explicitamente dito, é inegável que alguns desses escravos viviam sob o teto do senhor, quanto mais não fosse por razões práticas. No entanto, nada sabemos sobre os pormenores práticos deste facto, nem sobre a sua dimensão, pois os documentos não fornecem qualquer indicação.
Estamos perante uma realidade que difere grandemente das análises habituais relativas à escravatura na época moderna, as revoltas servis e o fenómeno de marronage (fuga de escravos). Seja como for, no tocante a estas relações particulares, continuamos a dispor apenas da perspetiva exclusiva dos senhores. Relativamente à perspetiva do indivíduo escravizado, encontramo-nos reduzidos a hipóteses vagas e como que inefáveis.

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L’esclavage à Bourbon (Escravatura em Bourbon)
Um documentário inédito

Por ocasião do Gran 20 désanm 2024, o Departamento da Reunião apresenta ao público o primeiro documentário histórico consagrado à escravatura na ilha Bourbon, uma produção local que permite revelar uma parte da história francesa e mundial que sempre foi esquecida.

Realização: Alexandre Boutié
Direção científica: Prosper Eve, professor emérito da Universidade da Reunião
Gilles Gauvin, membro do Comité Científico do Museu de Villèle
Xavier Le Terrier, Diretor Científico do Museu de Villèle
Duração: 55 minutos

O documentário, que levou mais de dois anos a realizar, reveste-se de particular importância no panorama audiovisual atual, em que a região das Caraíbas goza de grande visibilidade graças às inúmeras produções sobre o tráfico transatlântico de escravos, ao passo que a região do oceano Índico, com a sua história única, continua a ser amplamente desconhecida do grande público, incluindo na Reunião.
O filme assenta num quadro histórico rigoroso, apoiado por vários documentos de arquivo e numa análise aprofundada efetuada pelos melhores especialistas neste domínio. Estes recursos permitem explorar as especificidades da escravatura no oceano Índico, desde a chegada dos primeiros cativos até à abolição da escravatura em 1848. A riqueza das histórias e dos testemunhos permite compreender melhor o funcionamento deste sistema, bem como os legados que deixou na sociedade reunionense atual.
Compreender os legados culturais, sociais e económicos da escravatura na Reunião é também uma das chaves para uma melhor compreensão das questões atuais de identidade e sociedade.

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