Contrariamente ao discurso oficial defendido até então pelo Estado francês, designadamente o destaque dado aos abolicionistas metropolitanos ligados a esta causa, os manifestantes do dia 23 de maio celebraram sobretudo a memória dos seus antepassados que foram “escravizados” durante vários séculos nos territórios ultramarinos franceses. No rescaldo deste movimento histórico, foi fundado o Comité de 23 de maio de 1998 (CM98), no final de novembro de 1999, cuja ambição consistia em reconhecer oficialmente o tráfico negreiro e a escravatura nas colónias francesas como um crime contra a humanidade. O princípio está consagrado na lei de 21 de maio de 2001. A comemoração anual de 23 de maio, um dia nacional em homenagem às vítimas da escravatura, que foi oficialmente introduzida pela circular de 29 de abril de 2008, foi promulgado, tal como a comemoração de 10 de maio, pela lei de 27 de fevereiro de 2017.
Menos mediatizada do que o dia nacional das memórias do tráfico de escravos, da escravatura e da sua abolição a 10 de maio, a comemoração do 23 de maio tem sido, no entanto, objeto de acontecimentos em toda a França continental e no ultramar nos últimos 20 anos. Os eventos, impulsionados e organizados por associações memoriais em parceria com as autoridades locais, combinam geralmente um momento de recolhimento em torno de uma estela construída para o efeito, bem como um tempo de expressão cultural. Por exemplo, a 23 de maio de 2015, cerca de 30 000 pessoas reuniram-se na Place de la République em Paris em torno de quadros genealógicos criados por ativistas da CM98 e um grande concerto de gwoka, bélé e maloya.
Para assinalar o 20.º aniversário da marcha, a comemoração nacional de 23 de maio de 2018, organizada pelo Comité Nacional para a História e Memória da Escravatura (CNMHE), teve lugar no Ministério do Ultramar na presença da Sra. Annick Girardin, Ministra do Ultramar e do Sr. Jean Marc Ayrault, antigo Primeiro-Ministro e Presidente do GIP (Grupo de Interesse Público) da Missão da Memória da Escravatura e do Tráfico de Escravos e sua Abolição. Liderada pelo Sr. Frédéric Régent, Presidente do CNMHE, a cerimónia começou com a plantação de uma “árvore da liberdade” no pátio do Ministério do Ultramar na presença dos convidados, seguida da atribuição do prémio de tese e de uma mesa redonda sobre o tema “São os descendentes de escravos ainda vítimas da escravatura?”
Para este ano 2020, a comemoração nacional de 23 de maio, num contexto de medidas de desconfinamento rigorosas, consistirá na colocação de uma coroa de flores e um momento de recolhimento defronte da estela consagrada às vítimas da escravatura colonial, criada pelo escultor Nicolas Cesbron, na Place Victor Hugo, no município de Saint-Denis (93), na presença, entre outros, da Sra. Annick Girardin, Ministra do Ultramar, do Sr. Laurent Russier, Presidente da Câmara de Saint-Denis, do Sr. Serge Romana, Presidente da Fundação Escravatura e Reconcialização e do Sr. Emmanuel Gordien, Presidente da CM98.
Bruno Maillard / Doutor em História
Investigador associado no Laboratório CRESOI da Universidade da Reunião
Docente auxiliar na Universidade de Paris Est Créteil
Membro do Conselho Científico da Fundação para a Memória da Escravatura