Pensa-se que esta arma é a famosa espingarda oferecida pelo Rei Luís XV a François Mussard, um célebre caçador de escravos da ilha Bourbon, como agradecimento pelos seus serviços. A fim de instigar a caça de escravos fugitivos, a Companhia das Índias oferecia amiúde presentes de prestígio em nome do Rei de França.
Em 1754, a Companhia das Índias presenteou François Mussard, o caçador de escravos «marrons» e chefe de um destacamento militar, com uma espingarda e duas pistolas ornadas a prata com as armas da Companhia, como prova de satisfação pelos serviços prestados.
No século XVIII, disparar espingardas com mecanismo de pederneira era bastante complexo, sendo que apenas os melhores caçadores eram capazes de disparar e recarregar repetidamente, continuando, ao mesmo tempo, a perseguir os escravos fugitivos.
Graças ao exame da espingarda, descobriu-se que a ignição da mesma não ocorre por meio de uma fecharia de pederneira, mas sim de um sistema de espoleta de percussão, mais moderno, inventado em 1807 (data do registo da patente), que funciona da seguinte forma: o cão bate numa espoleta de fulminato de mercúrio, a primeira a reagir ao choque…
Porém, vê-se claramente que a fecharia foi concebida para um sistema de pederneira (furos na frente) e que a caçoleta foi posteriormente cortada e substituída por um «ouvido». Efetuada após o aparecimento das fecharias de espoleta, esta alteração não põe em causa a datação da espingarda nem o vínculo com o seu antigo proprietário, tal como no caso de inúmeras armas no início do século XIX que continuaram a ser utilizadas após essa data.
Exposição apresentada no primeiro andar do Museu de Villèle até dia 20 de dezembro de 2024.
«Utilizada na caça de animais, a espingarda era primeiramente um objeto de caça, tornando-se mais tarde um objeto de transmissão da memória já que fora utilizada no massacre de escravos perpetrado na altura.»
Em 2023, no âmbito do dispositivo «a turma, a obra!», a espingarda de François Mussard constituiu o ponto de partida do projeto dos alunos do liceu profissional François de Mahy, em Saint-Pierre (Ilha da Reunião).
Aquando da Noite Europeia dos Museus, os alunos do 11.° ano da especialização em Comunicação visual e multimédia apresentaram, no primeiro andar do museu, uma interpretação gráfica em torno desse objeto patrimonial.
O mural, por eles concebido e realizado, tem por foco a confusão entre o ser humano e o animal, a caça e o escravo, através da criação de quimeras. Os alunos também representaram plantações cultivadas a partir do século XVII pelos escravos, como o algodão, o café e a cana-de-açúcar.
Realizado por um aluno do liceu François de Mahy
Conhecido apenas pelo meu patronímico, Mussard, o meu apelido François limita-se a aumentar o medo que inspiro. Nasci em 25 de novembro de 1718 em Argenteuil. Sou filho de colonos.
Sou o célebre caçador de escravos em fuga na Ilha Bourbon. Dizem quem sou responsável pela «purga» de quase todos os acampamentos desses fugitivos e reza a lenda que executei pessoalmente os seus principais chefes, dos quais Mafate e Cimendef. No século XVIII, os escravos começaram a fugir dos seus senhores, refugiando-se nas montanhas onde criavam uma verdadeira organização em acampamentos. Contudo, viam-se amiúde obrigados a regressar ao litoral a fim de roubar gado, armas ou até escravas. Fartos destes ataques intempestivos, os proprietários resolveram oferecer recompensas a quem os desemboscasse e matasse. Juntamente com os meus homens, organizámos expedições punitivas altamente eficazes, com vista a desemboscá-los. Não sou o único caçador, mas eu o os meus homens somos conhecidos pela nossa tenacidade. Chamam-me «o incansável» e atribuem-me a sinistra qualidade de poder recarregar a minha espingarda, continuando, ao mesmo tempo, a correr. Não aguardei ordens oficiais para organizar milícias, pelo que sou considerado um dos melhores nessa tarefa que a partir de 1744 seria remunerada.
Em 1754, a Companhia das Índias ofereceu-me uma magnífica espingarda bem como duas pistolas com coronha de prata, como recompensa pelos meus serviços. Quando o fugitivo é capturado vivo, sou impiedoso, punindo-o em conformidade com o artigo 38.° do Código Negro cuja versão da Ilha da Reunião data de 1724.
Chicotadas, uma orelha cortada e uma flor-de-lis tatuada na pele aquando da primeira transgressão, uma segunda flor-de-lis tatuada e o tendão de Aquiles cortado aquando da segunda, a condenação à forca ou à roda aquando da terceira.
Eu, «Explorador das montanhas», deixei o meu nome em vários locais geográficos notáveis, dos quais a caverna Mussard, situada a cerca de 2150 metros de altitude no coração do Piton des Neiges.