Não há oposição nem antagonismo entre estas duas atitudes, que são o resultado de situações complexas específicas a cada propriedade, bem como do contexto histórico.
O marronnage, de curta ou longa duração, era, na maioria das vezes, um ato individual, silencioso, em que o escravo fugia da propriedade em direção às terras altas da ilha, abrigando-se nas montanhas e nos circos .
Ocasionalmente, isso levaria a organizações de vários indivíduos em acampamentos de marrons . Os arquivos atestam igualmente as incursões de marrons às habitações para encontrar alimentos, ferramentas e, por vezes, companheiras. Presente desde o início do assentamento, o marronnage será uma realidade constante na história do Bourbon. Na véspera da abolição da escravatura em 1848, ainda havia várias centenas de marrons, alguns deles permanecendo-o por mais de 20 anos.
Durante quase dois séculos de escravatura em Bourbon, com exceção de algumas conspirações urdidas que rapidamente foram reprimidas, a revolta de Saint-Leu, em 1811, foi a única a ter sido posta em execução.
O estudo desta insurreição revela uma estratégia que se caracteriza tanto por uma dimensão coletiva como pelo desejo de derrubar o sistema escravo.
Caracterizou-se por uma investida das terras altas, onde os escravos trabalhavam, às terras baixas, onde residia uma parte da população Livre. Este movimento desenrolar-se-á com «som e fúria», resultando numa inversão e revolução dos comportamentos: o medo instalar-se-ia abertamente entre os Brancos que passavam a fugir da ira dos escravos.
Não obstante a aparente oposição entre a revolta e o marronnage, a insurreição de Saint-Leu mostra-nos os laços estreitos e as interações entre estes dois comportamentos. Antes, durante ou nos meses após a revolta, o fenómeno do marronnage estaria sempre presente.
Embora os sentimentos de revolta individual dos escravos contribuíssem para os receios dos senhores de atos de violência, pilhagem ou crimes, era sobretudo a versão coletiva da revolta que alimentava os temores dos proprietários, levando-os a implementar estratégias de proteção. Neste contexto, a utilização permanente do chicote, a diversificação étnica nas propriedades, bem como um sistema alimentar e sanitário que pretendia manter os indivíduos num estado de fraqueza controlado em relação à necessidade de mão-de-obra na agricultura, seriam os instrumentos de domínio sobre a população escrava. A elaboração, a conceção e a execução de uma revolta coletiva foi, portanto, muito difícil de alcançar e dependeu de múltiplos fatores.
A insurreição de Saint-Leu incluiu mais de 200 escravos de várias origens (africanos, malgaxes, crioulos), que exerciam diversas funções (Negros de picareta, domésticos, ferreiros, chefes de grupo, etc.)
A revolta foi preparada dia após dia durante anos; a decisão de a concretizar foi, indubitavelmente, determinada pela tomada de posse da ilha pelos ingleses no final de 1810 e pelo desarmamento parcial dos senhores levado a cabo pelos novos governantes. Esta «guerra» seria marcada por uma violência extrema, tanto por parte dos insurgentes – dois a três Brancos mortos direta ou indiretamente – como da feroz repressão que recai sobre os eles – dezenas de rebeldes foram mortos no confronto ou morreram na prisão. Dos vinte e cinco condenados à morte, sete receberão o indulto, três morrerão na prisão antes da sua execução e quinze serão decapitados com um machado em cinco cidades diferentes, para servirem de exemplo.
Apesar da ideia de revolta ser permanente na mente de muitos escravos , apenas pôde materializar-se em Saint-Leu devido a uma particularidade natural; uma permanente escassez de água na comuna obrigava os escravos do sul a encontrarem-se dia após dia para as tarefas árduas de abastecimento de água num reservatório natural permanentemente alimentado por uma nascente localizada acima das propriedades, num pequeno barranco chamado Ravine du Trou.
Foi assim que os escravos de diferentes senhores puderam estabelecer contacto regular e esboçar o primeiro projeto de revolta. Este constituiu o primeiro fator objetivo que espoletou a propagação da ideia de revolta.
A vontade política dos insurgentes de escapar à servidão, mas também de derrubar um sistema global, seria reforçada por contactos com escravos da comuna de Saint-Louis. Este segundo fator decisivo ocorrerá aquando das obras de manutenção de troncos de árvores a serem carregados num navio inglês – o Windham –, na baía de Etang Salé, em dezembro de 1810.
Durante quase dois meses, os escravos requisitados em cada uma das duas comunas iriam alimentar e amadurecer a ideia de uma revolta comum.
De acordo com a leitura dos interrogatórios dos escravos indiciados, foi aparentemente durante essas trocas que o escravo Figaro afirmou ser capaz de trazer para a revolta muitos escravos de Saint-Louis – o que se revelaria falso – desencadeando assim o início da repressão e a implementação prematura da revolta.
Um terceiro fator facilitará a preparação desta rebelião. Vários escravos de Saint-Leu, incluindo Elie e Gilles, que mais tarde surgirão como os líderes do movimento, partiram em marronnage no final das obras de manutenção no Windham.
Com efeito, a partir de 19 de fevereiro de 1811, são assinalados vestígios da sua presença como marrons na prisão de Saint-Paul onde ficariam por dois meses. Foi aí que conheceram outros escravos aprisionados, vindos das propriedades de Saint-Paul, incluindo a da Sra. Desbassayns, geralmente por marronnage . Isto explica a presença de escravos de Saint-Paul e Saint-Louis na lista dos detidos no final da revolta em novembro de 1811, provando, que se tratava, acima de tudo, de confrontar o sistema esclavagista muito além dos limites geográficos de Saint-Leu.
Entre os escravos encarcerados em Saint-Paul, havia Philibert, escravo de um Livre de Cor, «detido na prisão pelo delito de marronnage». Morreu a 9 de novembro de 1811, provavelmente devido aos seus ferimentos durante a «guerra» com os Brancos.
Verosimilmente, outros escravos que trabalharam no Windham refugiaram-se nesse navio, beneficiando da proteção, durante algum tempo, dos marinheiros britânicos, sendo neste barco que recuperaram a bandeira que seria brandida durante a revolta.
Embora em 1810, poucos escravos de Saint-Leu tenham sido presos em Saint-Paul, a partir de fevereiro de 1811, estes seriam muito mais numerosos, incluindo algumas mulheres, ficando encarcerados durante várias semanas. Também neste caso, os contactos entre escravos de propriedades diferentes, que não se encontravam necessariamente próximos do reservatório de água, contribuiriam para a disseminação de ideias de rebelião.
A revolta eclodiu a 5 de novembro após a detenção, na véspera, de escravos de Saint-Louis denunciados por Figaro, alguns dos quais já eram qualificados como marrons: Jean desde há alguns dias e Benjamin desde há 11 meses.
Quando, em 7 de novembro, os insurgentes desceram do reservatório da água em direção às propriedades, os testemunhos – em particular de escravos – denotam a confusão entre «revoltados» e «bando de marrons» que vinham saquear as casas:
por volta das 7 horas, Paulin, escravo do Sr. Macé veio dizer-lhe que o Sr. Armel Macé tinha acabado de ser cercado por Negros marrons, indo imediatamente avisar o Sr.K/Lonet; Que o Sr. K/Lonet lhe disse para não sair do local com o seu grupo pois ele ia buscar reforços e voltaria imediatamente… que tinha visto a Sra. K/Lonet descer com o marido; que, a seu pedido, lhe tinha concedido dois escravos para a acompanhar…
Este testemunho de Benjamin confirma igualmente a fuga dos senhores.
Parfait, um escravo cafre, seria detido na posse de duas pistolas, declarando terem-lhe sido oferecidas pelo Sr. Caro para acompanhar o destacamento na caça aos marrons. Também afirmaria que:
«quando viu aquela multidão (os bandos de Negros), não pensava que eram escravos das propriedades, mas que eram marrons.»
Um dos destaques desta revolta foi a libertação de vários escravos na propriedade de B. Hibon:
«Gilles e Elie tinham vindo com um bando de Negros, explodindo a porta da grande cabana,… tiraram os grilhões a Bastien, Joson, Zephirin e Elie.»
À pergunta do procurador sobre as razões pelas quais tinham sido encarcerados na habitação, avançaram a seguinte resposta: «porque tinham sido fugitivos durante três semanas, estando presos há cerca de um mês.»
Haverá somente algumas pilhagens de propriedades, nenhum incêndio de edifícios e nem qualquer violência contra as mulheres Livres. Apenas dois dos irmãos Macé, que se opuseram à entrada dos rebeldes nas suas propriedades, foram assassinados.
O confronto direto entre os insurgentes e um grupo de proprietários armados, Brancos ou Livres de Cor, assistidos por escravos leais, ocorreu no fundo de uma ravina.
Possuindo apenas azagaias, machados e duas espingardas roubadas, os escravos seriam rapidamente dominados pelos Brancos que ainda possuíam um mínimo de armas de fogo. Várias dezenas de escravos morreram durante o confronto, cerca de 150 foram detidos e encarcerados no próprio dia ou nos dias seguintes. O julgamento, a condenação e a execução tiveram lugar em março de 1812.
No final da revolta e da sua repressão, foram assinaladas vária fugas de escravos. No recenseamento de 1812, vários senhores indicaram que alguns dos seus escravos eram «criminosos» ou «julgados»; houve ainda menções de escravos «marrons sete meses depois», o que corresponde a novembro de 1811.
Na propriedade de Célestin Hibon, na qual Elias era escravo e onde a elaboração, a preparação e a implementação do movimento foram os mais significativos, depois da insurreição, seis escravos, cafres ou malgaxes foram declarados «marrons desde a revolta.»
Há ainda outro elemento que indica o elo entre a revolta e o marronnage. Trata-se da natureza da repressão. Os marrons perseguidos e capturados eram muitas vezes sumariamente executados e não trazidos de volta para as propriedades. Para justificarem as suas ações, os caçadores de negros traziam como prova uma orelha ou a mão direita dos escravos fugitivos.
Este desmembramento do corpo humano, estas amputações, violavam a integridade física do defunto. Com a decapitação dos condenados da revolta de 1811, o desmembramento voltava a ser praticado, com uma transladação de partes do corpo. As cabeças de Jasmin e Géréon, executados em Saint-Denis, foram decepadas e, provavelmente, expostas em Saint-Leu, indubitavelmente com o propósito de intimidar os escravos.
Por último, nota-se que a presença das mulheres, na revolta ou nas fugas, sempre foi muito minoritária, transparecendo que as formas de resistência que privilegiavam diziam respeito à estrutura familiar.
Elie e três dos seus irmãos foram decapitados, tendo a mãe sido detida e interrogada. Gilles e o pai morreram no seguimento da revolta; a mãe e a irmã também foram aprisionadas, porém posteriormente libertadas.
O facto de ter havido uma única revolta durante quase dois séculos de opressão, enquanto as partidas em Marronnage perfazem milhares, sublinha o controlo total dos senhores sobre os seus escravos, sendo as ações individuais, tal como o marronnage, mais facilmente concretizáveis.
No final, a revolta fracassou e o marronnage assumia frequentemente um caráter temporário.
Embora a sua duração se tenha cingido a apenas alguns dias no início de novembro de 1811, e a uma área bastante limitada – as vertentes de Saint-Leu – esta rebelião deve ser analisada sob a perspetiva da duração dos preparativos e da extensão geográfica inicialmente visada. Além disso, teve um impacto substancial na população livre, alimentando, durante várias décadas, as ansiedades dos senhores e mais tarde, após a emancipação, sendo objeto de negação e distorções históricas.
Seriam os próprios Brancos a evocar, referindo-se a esta revolta, os termos guerra e revolução dos Negros, atestando assim o trauma vivido pela população Livre e a relevância política deste movimento.