É descendente de outra figura famosa da mitologia da Reunião, Françoise Chatelain — às vezes apelidada de Crécy — que antes de se casar com Augustin Panon tinha enterrado três maridos com os quais tinha tido vários filhos. Isto explica o número considerável de familiares, com graus de parentesco variados, relatados nos diários de Henri-Paulin.
Henri-Paulin teve uma longa e brilhante carreira militar. Oficial de marinha nas milícias de Bourbon desde 1744, embarcou em 1751 para a Índia com os Volontaires de Bourbon enviados como reforços para Dupleix. Nomeado tenente em 1758 até à tomada de Pondicheri pelos ingleses, em 1761, onde se encontrava preso, participou em muitas batalhas durante as quais foi ferido — ele próprio escreve que é «aleijado» do braço direito. De regresso a Bourbon tornou-se major da milícia de Saint-Paul em 1773 e foi condecorado, em 1776, Cavaleiro da Ordem Real e Militar de Saint-Louis, uma distinção que era um modo de ascender à nobreza cujo símbolo utilizava no vestuário: uma cruz de ouro com a efígie de Saint-Louis no meio.
«Poderosamente rico», como alguns dizem, Henri-Paulin pertence inegavelmente à categoria dos «Gros Blancs» (famílias brancas poderosas), sendo mesmo o maior proprietário de terras e de escravos da ilha. Em 1763, já possuía «duzentos e sessenta arpentes e três quartos de terra» que tinha herdado da avó materna, falecida dez anos antes. Mas a sua fortuna começou quando se casou, a 28 de maio de 1770, com Marie-Anne-Thérèse-Ombline Gonneau-Montbrun, filha única do seu primo Julien Gonneau, «a herdeira mais rica da ilha», segundo escreveu. Contava 38 anos e Ombline apenas 15! De uma prole de 13 filhos de ambos 9 atingiram a idade adulta, tendo estes, por sua vez, tido muitos descendentes.
Entre este casamento e o início da Revolução, o casal constituiu um enorme património fundiário. Em 1789, os Desbassayns eram detentores de 420 hectares em propriedades (seis parcelas de terreno em Saint-Gilles num total de 150 hectares, duas parcelas em La Saline e Trois-Bassins num total de 145 hectares e 125 hectares na região de Bernica). Em 1784, o casal contava 254 escravos, 348 em 1790; em 1797 este número ascendia a 417 e no inventário após a morte de Henri-Paulin, em 1800, a 451. Possuíam quatro mansões, uma em Trois-Bassins e outra em Bois-de-Nèfles que eram usadas principalmente como armazéns, uma terceira em Saint-Paul e a mais importante, a de Saint-Gilles-les-Hauts, sendo o atual museu.
A planta que ocupava a maior área das suas terras era o milho, o alimento básico dos escravos, porém também consumido por muitos Brancos. Contudo, a verdadeira riqueza e o que lhe dava prestígio era a venda, na Europa, de café e algodão. Com as grandes somas daí derivadas, os Desbassayns compraram em França muitos artigos para adornar as suas mansões ou revendê-las muito vantajosamente na ilha. Henri-Paulin também investiu na armação marítima e assegurou a sua retaguarda comprando vários títulos do tesouro ao Estado.
Henri-Paulin é certamente o habitante de Bourbon da época mais conhecido graças à quantidade considerável de documentos escritos que deixou para trás. Apesar de ter recebido uma educação claramente básica, cujo estilo era pobre e laborioso e que não se importava nada com o rigor ortográfico, aparece como uma espécie de condenado da escrita. Tal como o seu pai antes dele, guardava um livro de contas no qual apontava sobretudo a cobrição de cavalos e as colheitas de milho, mas também os nascimentos dos filhos e dos escravos. Escreveu principalmente o diário das duas viagens que fez a França em 1785, e em 1790-1792. Vêm completar estes diários listas de compras, feitas ou a efetuar, notas de despesas e faturas, bem como uma correspondência muito volumosa com membros da sua família e vários amigos, dominada por dois grandes conjuntos: a sua correspondência com os Gérard de Lorient, amigos de longa data e sócios de negócios, e outra com os seus primos Lagironde. Muito valioso também para o conhecimento da personagem é o inventário da sua propriedade feito após a sua morte pelo notário e amigo Elie Philibert Chauvet a 8 de brumário do ano IX (30 de outubro de 1800).
Em primeiro lugar, um notável pai de família. O objetivo da sua primeira viagem a França era visitar os seus três filhos mais velhos admitidos no muito aristocrático colégio beneditino de Sorèze, uma escola militar real. A sua segunda viagem a França foi para acompanhar dois rapazes mais novos e especialmente — o que era uma grande novidade para a época — duas meninas, Marie-Euphrasie e Mélanie (que de volta à Reunião se casará a 13 de abril de 1799 com Joseph de Villèle, o futuro Primeiro-Ministro) para aperfeiçoarem a sua educação. Os diários de Henri-Paulin revelam não só um homem preocupado com os progressos escolares e o sucesso social dos seus filhos, mas também um pai muito carinhoso e sensível.
Plebeu e dotado de um sólido senso comum camponês, Henri-Paulin teceu muitos escárnios ao snobismo parisiense, em particular o «furor» de ver tudo e comentar tudo. Mas, na verdade, este «furor» também vive nele plenamente e é alimentado por uma vitalidade verdadeiramente excecional para um homem relativamente velho para a época. O seu objetivo foi, obviamente, durante o tempo relativamente limitado que teve de passar em França, não perder nada de um possível espetáculo, fosse ele um monumento ou um indivíduo célebre, um evento de interesse histórico ou social, um mecanismo engenhoso, uma peça na moda ou um simples espetáculo de rua. Em suma, estar presente onde houvesse algo curioso para ver, qualquer que fosse esta curiosidade.
As suas viagens a França eram para ele a oportunidade de realizar velhos sonhos, sobretudo o de ver o rei e os lugares prestigiados onde a corte e os grandes residem. Nas províncias, visitou muitos vestígios românicos, numerosos catedrais e castelos. Mas não eram só os lugares famosos que lhe interessavam, tendo ido igualmente a lugares muito mais humildes que, aos seus olhos, também mereciam uma visita, como oficinas de todos os tipos, mercados, hospitais, asilos, prisões… e até, tapando o nariz com um lenço, a morgue de Châtelet!
No entanto, se «o seu furor de ver tudo» testemunha uma grande abertura de espírito, também, por vezes, resulta de uma atitude um pouco forçada ou mesmo de um certo conformismo. São, portanto, vários espetáculos que vai ver porque, escreve, deve tê-los visto «pelo menos uma vez». Reconhece ainda que alguns pequenos espetáculos teatrais no Palais Royal «não são muito interessantes» mas ainda assim os frequentou sistematicamente porque «é aqui que conhecemos as pessoas».
Mostrou uma verdadeira paixão pelo teatro e as suas viagens permitiram-lhe comprar uma grande quantidade de livros. Os clássicos, a começar por Molière, cujo trabalho ele apreciava particularmente, noventa e um volumes de Voltaire, a Enciclopédia, mas também L’histoire philosophique et politique du commerce et des établissements des Européens dans les deux Indes por Abbé Raynal, considerado na altura um artigo inflamatório anticolonialista e abolicionista, e «livros clandestinos». De destacar, é o seu gosto pela história, pelas narrativas de viagens e pela política.
Devido à sua educação escolar, sem dúvida à tradição familiar e como a grande maioria dos seus contemporâneos, era católico. Assim, em qualquer cidade onde ele parava, não havia praticamente nenhuma igreja, independentemente da sua importância ou interesse artístico, que ele não visitasse. Respeitar bem Deus era uma das prescrições fundamentais do discurso muito moralizador que dirigia aos seus filhos. Mas, embora frequentasse a missa com frequência, em nenhum momento emana dos seus diários uma verdadeira emoção religiosa, ou até mesmo um sentido do sagrado. Exceto, talvez, quando ele ouvia, na Abadia de Saint-Antoine, o cântico das freiras carmelitas.
Mostrou grande ceticismo perante certas manifestações populares de devoção e não ficou contrariado por a Revolução ter feito “o clero regressar à ordem dos verdadeiros pastores do Senhor”. Por conseguinte, aprovou as medidas tomadas contra as ordens monásticas que considerava, como muitos dos seus contemporâneos, como covis de preguiça, gula e vício. Chegou até a proferir afirmações absolutamente anticlericais. Assim, aquando do funeral em Saint-Eustache do seu parente Beaulieu, empenhou-se num ataque em larga escala a «todas as pessoas predispostas a este tipo de cerimónias… [que] parecem abutres ou gatos vaiados que se limitam a viver de cadáveres… Todos estes antropófagos grandes, gordos e que se regozijam com a morte dos seus semelhantes.» No entanto, em termos de reforma religiosa, como em qualquer outro campo, ele desejava que uma certa contenção fosse mantida e os primórdios da descristianização de 1793 preocupavam-no.
Mais do que o catolicismo, foi a maçonaria que o inspirou. Mesmo antes da sua primeira viagem a França, tinha sido iniciado à maçonaria e muitos dos seus amigos mais próximos pertenciam ao mesmo movimento ideológico cujo sucesso era, então, considerável nos círculos mais esclarecidos, desde a fundação, em 1773, da federação do Grande Oriente. Durante a sua segunda viagem frequentou assiduamente, pelo menos em 1792, a rua Pot-de-Fer, onde o Grande Oriente tinha então a sua sede, a loja La Réunion des Amis Intimes, onde foi nomeado Cavaleiro Rose-Croix a 26 de julho. Pouco antes da sua partida, em 26 de agosto de 1792, foi recebido como «oficial do Grande Oriente».
Muitas das suas relações mais próximas eram também maçons. Tal como Pierre Alexandre de Beurnonville, futuro Ministro da Guerra em fevereiro de 1793, que foi, em 1780, venerável da loja de Saint-Denis « La Parfaite Harmonie » e também eleito, em 1778, Grão-Mestre Nacional de todas as lojas da Índia. E ainda, os três deputados ou futuros deputados de Bourbon/Reunião: Bertrand, Lemarchand e d’Etcheverry. A maçonaria também lhe abriu muitas portas, como a de La Fayette, que estava então no auge da sua glória.
Segundo uma passagem do diário da sua segunda viagem a França, a política seria uma área que não somente não apreciava debater em sociedade, como também estaria fora do âmbito das suas competências. Contudo, esta é apenas a expressão de uma exasperação passageira, visto ter afirmado que «já não há [mais] prazer en estar na sociedade por causa das opiniões, sempre indignadas de ambos os lados.»
No seu primeiro diário, a política não ocupa um espaço relevante. Limita-se a confirmar que é um monárquico fervoroso e que quando viu o Rei pela primeira vez, a 12 de junho de 1785 em Versalhes, «sentiu uma onda de alegria [impossível] de expressar». Todavia, isto não tem nada de surpreendente num homem envelhecido pela vida militar, sendo que nada o diferenciava da grande maioria dos franceses da época, como se pode ler longamente nos «registos de queixas» de 1789.
Na segunda viagem evoluiu significativamente a nível político. Mantinha-se bem informado, primeiramente através dos jornais, a que chamava de «papiers-nouvelles» (papéis de notícias), especialmente em questões de política externa, mas também ouvindo o que era dito em locais públicos, nas ruas e nos restaurantes. Os seus locais de observação e informação privilegiados eram os espaços de caminhada: o Jardim das Tulherias, os Campos Elísios e, em especial, o Palais-Royal, onde por vezes passava horas, como por exemplo, durante a crise da Páscoa de 1791, ouvindo «grupos que fizeram moções e outros que discorriam sobre os assuntos do dia». Interrogou outros transeuntes curiosos como ele, tendo o prazer de «afiar a língua» e, designadamente, discutia com os seus amigos das colónias as últimas notícias das Mascarenhas, e falava longamente com eles sobre o que estava a ser preparado em França em matéria colonial.
Essencialmente pretendia continuar a ser uma mera testemunha e manter-se numa posição de neutralidade. Ouvinte de debates apaixonados entre pessoas que não partilhavam as mesmas opiniões políticas, rejeitava todo o fanatismo e defendia a tolerância e a união. Mas não permaneceu insensível às manifestações da nova França. Foi com prazer que visitou por duas vezes a Assembleia Nacional e não perdeu cerimónias importantes do novo regime, tais como o enterro de Mirabeau ou o cortejo em honra de Voltaire, prelúdio da sua Panteonização. Acima de tudo, partilhava o entusiasmo dos grandes momentos em que a união nacional parecia estar a afirmar-se, as três festas da Federação de 1790, 1791 e 1792, e as que marcaram a adoção da primeira Constituição do reino em setembro de 1791. Esteve presente durante a transferência para o Templo da família real após a captura das Tulherias e assistiu igualmente à proclamação solene da Pátria em perigo. O acaso até o levou a conhecer os federados de Marselha que se tinham deslocado a Paris e que desempenhariam um papel importante na queda da monarquia.
Estava muito consciente da deterioração gradual da imagem monárquica, declarando-se muito hostil aos emigrantes, muito chocado com a tentativa de fuga do Rei. Embora desaprovasse os «disparates» que o povo dizia e fazia durante a transferência da família real para o Templo, via claramente que não só «Paris inteiro» mas também os «departamentos são a favor da deposição do Rei» e que este «não tem a confiança do povo, nem, em geral, a amizade dos franceses [porque] Ele terá sempre de se culpabilizar pelo massacre dos franceses, cuja responsabilidade, sem margem para dúvidas, se lhe atribui». Na sua opinião «Não é possível [que Luís XVI] volte a ser o Rei dos Franceses». No entanto, não foi tanto a monarquia que condenou, mas um mau monarca.
Porém, desejava manter-se otimista e, embora o espetáculo das divisões internas o colocasse «muitas vezes de mau humor», confiava no tempo e na sabedoria da elite – «uma parte dos homens que podem liderar a maioria [dos povos] pela sua filosofia íntegra» – que, segundo ele, governa a França e a Europa. Bela profissão de fé no homem e no internacionalismo do espírito maçónico.
Testemunhando as tensões extremas que então agitavam a França e temendo que a sua ilha sofresse o mesmo destino que Santo Domingo, devastado por uma terrível guerra civil após a grande insurreição escrava de agosto de 1791, decidiu, em meados de 1792, acelerar o seu regresso e o dos filhos a Bourbon. Todavia, ir para Lorient, numa altura em que ocorriam os terríveis massacres de setembro, revelou-se muito difícil e até perigoso e foi necessária a intervenção de um irmão da Maçonaria para o tirar de Saint-Cloud, livrando-o de uma situação que se estava a tornar preocupante.
Chegado a Lorient, soube do massacre, pela população, do seu amigo Jean Gérard e, para poder deixar a França, teve de se submeter a prestar juramento de lealdade à muito jovem República, tornando-se assim, ele que outrora fora um soldado monárquico, pelo menos à luz da lei, um dos primeiros republicanos da Reunião!
De regresso a Bourbon, no início de 1793, parece ter levado a cabo uma existência bastante discreta, deixando a gestão das suas propriedades à esposa – que já a tinha assegurado durante as ausências do marido – e ao seu filho mais velho Julien-Augustin, cognominado Desbassayns, para se tornar um dos líderes do partido conservador. Acometido por uma doença em outubro de 1799, morreu, após uma agonia interminável, a 11 de outubro de 1800, tendo recusado – uma decisão surpreendente para um homem em geral muito conformista – o «consolo da religião», como o lamenta Jean-Baptiste de Villèle – que se casará alguns anos depois com a sua filha Gertrude Thérèse – numa carta ao seu irmão Auguste.
Em última análise, é possível concluir que Henri-Paulin Panon Desbassayns, apesar de algumas fraquezas e uma falta de formação cultural e artística, aparece, em muitos aspetos, como um bom representante, pelo menos à escala da Reunião, do espírito do Iluminismo.