«Os capatazes são homens muito preciosos para nós; é do seu zelo, da sua capacidade, da sua fidelidade que depende a atividade das oficinas… e, de certo modo, a prosperidade e a segurança da colónia. Temo-los em grande estima e, quando eles merecem a nossa confiança, preferimo-los aos chefes brancos».
O habitante – designação dada ao plantador na Ilha Bourbon/Ilha da Reunião – que no início dos anos 1830 expressou desta forma o seu apreço pelos capatazes – os escravos «de confiança» que dirigiam os grupos de Negros nos campos, estas «correias de transmissão» que serviam de intermediários entre os senhores e a massa de escravizados – tinha uma visão invulgar dos escravos e da escravatura. Neste contexto, os senhores estabeleciam uma hierarquia no seio da população escravizada; avaliando as capacidades dos escravos, reconhecendo-lhes assim a possibilidade de aprendizagem e evolução que lhes era habitualmente negada.
Este habitante é Charles Desbassayns (1782-1863), o quinto filho de Henri-Paulin e Ombline Panon-Desbassayns, a quem a família chamava «Vilmur». As suas palavras indicam que para os plantadores a escravatura tinha entrado numa transição. E de certa forma, em Bourbon, Charles Desbassayns era o homem da transição. Foi um dos principais protagonistas da «viabilização do açúcar» na ilha a partir dos anos 1810, uma convulsão agroindustrial que provocou uma mutação na escravatura, tentando modificar o estatuto político da ilha, em vão. Acompanhou a abolição da escravatura, uma medida imposta pela segunda república (1848) e tentou adequar a religião católica à economia industrial na ilha.
A história atual abandonou a ideia de que os indivíduos eram sobredeterminados por forças supraindividuais, o «Espírito universal» de Hegel, as «massas» dos populistas, as «forças produtivas» de um marxismo comum, interrogando-se sobre o sujeito. Certos indivíduos fazem história, porque a sua atividade particular tem um carácter geral. Produzidos pela história, eles são também produtores de história. Charles Desbassayns é um deles.
Como é que alguém se torna Charles Desbassayns? As primeiras indicações remontam à sua formação. Com apenas sete anos de idade acompanhou o pai, Henri Paulin, a França continental aquando da sua segunda viagem em 1789. Com ele estava o irmão Joseph, bem como duas irmãs. Alguns anos antes, o pai matriculara os três irmãos mais velhos em Sorèze. O mesmo não ocorreu no caso de Joseph e Charles. O pai atribuiu um capital de 3000 F de renda vitalícia a cada um dos filhos que depois completou com investimentos em fundos públicos. Durante essa estada, Charles frequentou as lições de um início de curso escolar, enquanto o pai, que visitava amigos e conhecidos, se debruçava com interesse sobre moinhos, bombas de incêndio e mecânica em geral. Em setembro de 1792, na altura dos massacres, decidiu regressar a Bourbon, acompanhado por um tutor. Charles tinha então somente dez anos de idade.
A fim de assegurar uma vida suficientemente abastada aos filhos, os progenitores Desbassayns, enviaram primeiramente carregamentos consideráveis de bens coloniais para os Estados Unidos, país com o qual durante o bloqueio Bourbon se habituara a comercializar, e depois o pai Desbassayns adquiriu terras e rendas em Nova Iorque, bem como nos estados de Massachusetts e Maine. Para supervisionar os seus investimentos americanos, enviou o segundo filho Henri, conhecido como Montbrun, confiando-lhe os dois irmãos mais novos, Joseph e Charles, para que aprendessem a negociar num contexto de segurança, liberdade e ordem. Os três irmãos não voltariam a ver o pai, que morreu em 1800. Impressionado pela ousadia empreendedora dos americanos, Charles adquiriu nesta estada conhecimentos indeléveis. As suas ideias alargaram-se, o seu patriotismo crioulo foi reforçado pelo contacto com o civismo americano. Foi ali também que nasceu o seu gosto por melhorias em geral e pelo progresso. Em 1803, Charles regressou dos Estados Unidos passando por França onde começou a estudar química com Louis Nicolas Vauquelin (1763-1829), professor de química no Collège de France e no Museu de História Natural. Foi graças ao contacto com este eminente farmacêutico, um homem bem versado na preparação racional de produtos químicos, que Charles desenvolveu um interesse pela química que mais tarde aplicaria ao açúcar e recebeu as bases científicas que, através de uma leitura constante, lhe permitiriam superar as dificuldades da indústria açucareira.
Charles e o irmão regressaram a Bourbon no final de 1806, escolhendo tal como o pai, a profissão de cultivadores que lhes proporcionou uma notável reputação. Charles foi marcado pelos modelos paterno e materno, construindo-se a si próprio com base numa imitação dos mesmos. O pai transmitira-lhe um espírito de moderação, ordem e previdência. Obcecado pelo sucesso dos filhos, tentou casá-los com membros da nobreza, por vezes em busca de alianças. Charles casou em Ile de France com Sophie de Labauve d’Arifat, filha de Marc de Labauve d’Arifat, um antigo soldado que se tornou comerciante de Castres. Escreveram-se versos encantadores aquando do regresso do casal a Bourbon. Quanto à mãe, de inteligência precoce, a sua educação havia sido um pouco negligenciada, segundo o seu biógrafo e sobrinho. Todavia, ela legou a Charles uma alma ardente, entusiasta e profundamente religiosa.
A partir de 1810, Bourbon beneficiou claramente de uma situação favorável para a produção de açúcar. Ao perder a ilha de Saint-Domingue, a França perdeu uma produção de 86 000 toneladas de açúcar (81% das exportações de açúcar das ilhas para França). As outras Antilhas francesas, enfraquecidas pela ocupação inglesa, forneciam pouco açúcar devido a estruturas arcaicas. Depois de Île de France ter passado para os ingleses, as únicas possibilidades de produção situavam-se em Bourbon. Um punhado de habitantes do Nordeste, Savariau, Montrose Bellier, Dioré, Fréon, Brun etc. lançaram-se no cultivo da cana em poucos meses. Joseph e Charles Desbassayns encontravam-se na linha da frente.
De facto, as plantações de cana destinavam-se inicialmente a produzir araca, que proporcionava lucros confortáveis. Porém, os elevados impostos e os constrangimentos administrativos do governo dissuadiram os destiladores, pelo que os lucros diminuíram. Charles, que tinha criado uma guildiverie em Rivière des Pluies, apercebeu-se de que podia lucrar mais com a cana. Em 1809, comprou a Guy Léon uma propriedade em Chaudron na qual, em 1813, mandou plantar cana-de-açúcar, construindo ali uma refinaria em 1815. Viveu na propriedade até a vender a Fréon em 1822.
Desde logo, Charles Desbassayns tornar-se-ia o fundador da agroindústria do açúcar em Bourbon. Comparativamente aos seus concorrentes, tinha a vantagem de possuir conhecimentos em química, o dom de se projetar no futuro de uma atividade especulativa, a capacidade de solucionar problemas e de os resolver do ponto de vista científico.
Acima de tudo, tinha a sorte de realizar uma atividade nova que, contrariamente às Antilhas, não estava tecnicamente limitada por décadas de hábitos que remontavam ao século XVIII (Padre Labat), e que os Desbassayns consideravam completamente ultrapassados. Solicitou a recolha de informações sobre as fábricas de açúcar de Île-de-France, entrando em contacto com um antigo mecânico de Saint-Domingue. A tecnologia que ele lhe revelou era a mais avançada para o seu tempo; pelo que Charles a adotou.
A instalação do Chaudron, cuidadosamente concebida, combinava inovações decisivas: uma bateria de cinco caldeiras dispostas no fundo da refinaria; uma chaminé cuja altura foi calculada para efetuar a extração ideal; um moinho de ferro horizontal de fabrico inglês, acionado por uma máquina a vapor inglesa de 6 CV de potência (Fawcett), que substituía o oneroso moinho puxado por mulas. Ao sair da última caldeira, o xarope pastoso era lançado sobre três mesas de açúcar onde cristalizava.
Charles Desbassayns abriu de imediato as suas instalações aos outros proprietários para que pudessem emular o seu equipamento. «O seu moinho e a sua bateria, serviram de modelo; as fábricas que se multiplicaram nos últimos anos foram quase todas construídas de acordo com os seus conselhos», nota Billiard no início da década de 1820. Assim, Desbassayns aliou as técnicas do oceano Índico, das Antilhas e da Europa, criando uma técnica coerente e dinâmica em Bourbon.
Posteriormente, continuou a sua busca pela melhoria e progresso da indústria açucareira da ilha. Entre outros exemplos, pode-se mencionar o recrutamento do seu futuro genro Chateauvieux (1831), que tinha trabalhado com o Conde de Villiers numa fábrica de açúcar (1820) antes de gerir a refinaria dos irmãos Périer em Choisy (1825), bem como o de Wetzell (engenheiro da universidade Polytechnique), cuja missão era melhorar a quantidade e a qualidade do açúcar local ao mais baixo custo. Wetzell efetuou a medição científica da adição de cal ao suco da cana-de-açúcar (énivrage) com base nos resultados de quinze anos de observações do proprietário. A partir de 1835, Desbassayns contratou Wetzell na fábrica de açúcar da mãe em Saint-Gilles les Hauts, onde desenvolveu máquinas locais que permitiam cozinhar o xarope, evitando a sua caramelização (rotadores). Assim, Charles «sempre a par dos estudos e descobertas científicas» foi um vulgarizador incansável dos aperfeiçoamentos industriais.
Interessou-se também pelas variedades da cana, sendo que em 1841 recebeu do botânico Diard enxertos de diferentes variedades (Teboë Mara, Teboë Glaga etc.) cujos rendimentos comparou, estabelecendo a superioridade da primeira (cana Diard). O botânico das Maurícias Louis Bouton menciona um estudo que o proprietário realizou em 1848 sobre as variedades de cana-de-açúcar da Reunião, estudo esse cujo rastro se perdeu. No início da década de 1850, como presidente da câmara da agricultura, levou a cabo observações meteorológicas em todas as comunas da ilha. Estudou o abastecimento de água (o canal do rio Rivière des Pluies), com base num sistema rodoviário específico que inspiraria Lancastel (caminhos agrícolas na sua propriedade, pavimentação da estrada real, construção de uma ponte para ligar a sua fábrica de açúcar em Rivière des Pluies à cidade principal).
«A propriedade do Sr. Charles Desbassayns, bem como a da mãe, que ele geria, foram os laboratórios onde todos os sistemas e ideias que tinham como objeto a exploração da cana-de-açúcar foram estudados e testados». .
A sua vida acabou porventura em amargura, por não ter logrado assentar a prosperidade do seu país numa base sólida: na altura da sua morte, em 1863, o Borer, a doença da cana-de-açúcar, generalizou-se levando à quebra no preço do açúcar e ao encerramento dos primeiros estabelecimentos.
«Desbassayns é o proprietário de quatrocentos Negros; ele próprio os açoita», escreveu F. R. Schack em 1830 . «Ele deveria ter dito que o Sr. Charles Desbassayns aboliu a punição com chicote na sua propriedade, substituindo-a pela prisão e pela privação de dias de descanso; mesmo assim, sendo essas punições aplicadas somente por um júri de escravos Negros. Não temo ser desmentido ou contestado ao citar a propriedade do Sr. Desbassayns como modelo», responde na mesma revista Moiroud, ex-procurador-geral do Tribunal Real da Ilha Bourbon .
Não entraremos no debate ocioso sobre se houve bons, menos bons ou maus senhores… E faremos nossa a reflexão de uma das personagens do escritor Duxel Daguères: «Não pode haver bons senhores… Há senhores e basta!» .
Todavia, Charles Desbassayns refletiu profundamente sobre o trabalho forçado. Deixou um documento interessante, Notes des objets à observer comme moyen de contrôle et de surveillance («Notas sobre os objetos a observar como meio de controlo e de vigilância»), relativo à propriedade açucareira da sua mãe, que ele disse ser «o segredo mais importante do ofício». O objetivo não era melhorar as condições dos escravos, mas sim obter mais mão de obra servil. Para tal, decide reforçar e sistematizar a vigilância do trabalho. O primeiro meio para atingir esse objetivo passava por efetuar várias chamadas durante o dia nos diversos espaços de trabalho, no sentido de evitar qualquer tipo de parasitismo. Os escravos não se deixavam enganar e queixavam-se. Era necessário supervisioná-los em todas as suas tarefas. Os títulos dos parágrafos do livro de ordens falam por si: «Regras de supervisão» do hospital, «Supervisionar Louis Marie e Christophe» etc. Contudo, a supervisão era inútil a menos que se prestasse contas: Gentil, ferreiro: «Presta contas todas as tardes e na chamada». Por fim, os escravos deviam vigiar-se uns aos outros. Esta vigilância tinha três objetivos: evitar castigos, que levariam os escravos a ausentar-se do seu trabalho; evitar roubos, prova de que quando os escravos não eram suficientemente vigiados não trabalhavam; e fazer com que o trabalho dos escravos fosse produtivo: a vigilância era tanto um instrumento dissuasor como pedagógico. Charles Desbassayns declarou em várias ocasiões que era necessário fazer com que os escravos compreendessem como trabalhar e desenvolver as suas capacidades, salientando-o já em 1822 no Chaudron: «Aqui, são os escravos que operam estas máquinas e por enquanto nenhuma das que estão em funcionamento sofreu algum acidente grave».
Estamos perante uma contradição bem conhecida: desde o início, os colonos reconheceram que os escravos, a quem a instrução era negada, eram passíveis de melhoria através da aquisição de perícia, sendo por conseguinte dotados de capacidades cognitivas que lhes permitiam adquiri-la. O objetivo era aprimorar a rentabilidade das propriedades com refinarias de açúcar. Desbassayns expressa-o numa metáfora brilhante: «Então tudo parece simples e fácil como uma máquina bem afinada e bem ensebada que funciona sem ruído». A vigilância torna-se a base da produtividade. O escravo passa de uma lógica de dominação, característica das estruturas coloniais até ao início do século XIX, para uma lógica de exploração.
Não obstante ter beneficiado da escravatura, Desbassayns aceitou a sua abolição: «Esta medida é inevitável», confidenciou em 1844 ao Dr. Yvan que estava de visita a Bourbon; «mas desejo ardentemente que a lei de emancipação só seja promulgada depois da morte da minha velha mãe». Neste contexto, na década de 1840, juntamente com alguns proprietários, decidiram cristianizar os escravos, o que prefiguraria a sua integração como homens livres. Em 1843, o Padre Levavasseur recebeu a missão fundada por Monnet na sua casa em Rivière des Pluies. O proprietário disponibilizou o alojamento e as refeições até Levavasseur poder construir uma pequena casa perto da igreja. Estes missionários do Sagrado Coração de Maria organizaram procissões soberbas. Em 1844, teve lugar uma procissão em honra do Santíssimo Sacramento na magnífica avenida que conduzia à casa de Charles. Duas bandeiras e a cruz precediam um dossel transportado por raparigas dispostas em duas linhas e todos os Negros alinhados numa fila dupla de ambos os lados.
Em vez de se obstinar em não abrir mão de privilégios simbólicos, Charles Desbassayns mostrou-se disposto a efetuar a transição do mundo esclavagista para o novo mundo. Isso não é surpreendente vindo de um homem impregnado pelas ideias de Charles Fourier, que partilhava com o inventor do falanstério a detestação da Revolução Francesa e um desejo de «emancipação gradual». Embora pouco se conheça sobre a propagação da filosofia de Fourier na Ilha Bourbon, sabe-se que se alastrou às Maurícias, com as quais Desbassayns tinha contactos permanentes, tendo sido adotada por intelectuais/cultivadores como Laverdant, Autard (de Bragard), Leclézio, Desmarais, Bouton etc. Contrariamente a Fourier, estes falansterianos das Maurícias demonstraram a sua piedade numa altura em que a Igreja mauriciana se esforçava por fortalecer a sua influência, como atesta a missão do Padre Laval (1841).
Isto explica a posição inicial de Desbassayns em 1848 relativamente ao futuro dos libertados. Um importante debate dividiu o Conselho Privado a 23 de outubro. O produtor de açúcar Ruyneau de Saint Georges, que também era advogado, declarou que «posto que a emancipação foi aceite de antemão pela maioria íntegra dos proprietários, eles deviam estar muito preocupados com o futuro da continuação do trabalho e da manutenção da ordem». Acrescentou: «No que diz respeito aos salários [dos alforriados] serão inevitavelmente muito baixos atualmente, uma vez que os proprietários são todos de certo modo desprovidos de recursos». Desbassayns, em nome de um liberalismo «cristão» de responsabilização e da sua fibra de seguidor de Fourrier, propôs que se considerasse a possibilidade de proceder à contratação por associação: os produtores de açúcar colocariam a terra à disposição, os alforriados a mão de obra, e os lucros seriam partilhados. Os libertados teriam que pagar a alimentação, o vestuário e a habitação, a fim de adquirirem hábitos de ordem e economia, o que implicaria salários mais elevados, concluindo: «O carácter distintivo da população negra é o indolência e a apatia». Ruyneau, por outro lado, argumentou que estes custos deveriam recair sobre os proprietários, que os salários deveriam ser reduzidos em conformidade e que uma parte deles deveria ser retida a fim de «assegurar a existência dos idosos e enfermos», que ele estimou em 15 000, 2 000 de acordo com Desbassayns. É a opção avançada por Ruyneau que prevalece. Os alforriados tornar-se-iam meros assistidos, e o domínio simbólico do Senhor, não obstante a emancipação, perpetuar-se-ia.
Este entrelaçamento entre os aspetos social e religioso é uma constante em Charles Desbassayns. A preocupação religiosa, herdada da sua mãe, é realçada pelos elogios fúnebres pronunciados sobre o seu caixão. Para o abade Fava, este ser a quem Deus muito tinha dado também soube devolver muito a Deus. Lagrange falou da sua fé católica ativa. Dejean de la Batie evocou o cristão exemplar, o amigo dos pobres, o benfeitor que sacrificou parte da sua fortuna por eles.
Apoiou as sociedades ou conferências de São Vicente de Paulo, antes de se tornar presidente do respetivo Conselho Superior. Fundada em 1833 em Paris, nos arredores de Bailly, a sociedade foi introduzida na ilha em 1854 por Albert de Villèle, seu sobrinho. Os seus membros distribuíam esmolas materiais e espirituais em seu redor. As despesas em 1860 ascenderam a 14 000 francos, destinados à ajuda a 150 famílias, à inscrição de 50 crianças em escolas, e à regularização de cerca de 40 casamentos de alforriados.
A ação religiosa de Charles Desbassayns não se limitou à assistência aos desfavorecidos. Também contribuiu para a implantação dos Jesuítas e, uma vez presidente do Conselho Geral (1855), apoiou as sucessivas administrações em colaboração com o bispo Desprez, financiando sem hesitar a construção de várias capelas, igrejas, uma nova catedral que nunca foi concluída, e do Estabelecimento da Providência que beneficiava de um subsídio de 80 000 francos por ano. Desbassayns ilustra esta primeira geração de catolicismo social que surgiu no meio conservador, em oposição ao liberalismo político e económico.
A este apego à Santa Sé acresceu uma – tardia – lealdade à França, bem como uma paixão pela Reunião: ele encarnava o patriotismo crioulo na altura. Esta dupla fidelidade foi demonstrada, no final do século, por François de Mahy. Mas já nos anos 1840, o poeta Auguste Lacaussade afirmava a sua «dupla pertença» à pátria crioula e à pátria francesa. Nada de original, pois era o núcleo da ideologia franco-crioula dos anos 1830. No caso de Charles Desbassayns a situação era mais complexa. Verosimilmente, no início, mostrava-se mais preocupado em afirmar a sua identidade crioula. O mesmo sucedia já na época do seu pai, que se autodenominava «o Africano» aquando das suas duas viagens a Paris. Charles, tal como a sua mãe, teria facilitado a ocupação inglesa de 1810. Sigoyer afirma claramente no seu diário: «Charles Desbassayns é um dos que entregaram a colónia aos ingleses em 1810». Fez o juramento de fidelidade ao rei George sem pestanejar. P. P. U. Thomas, que dirigiu a administração da Ilha Bourbon durante seis anos, acrescenta que Desbassayns foi o principal secretário do governo durante os primeiros anos da ocupação inglesa. Desbassayns tornou-se um legitimista em 1815, mas tentou opor-se ao poder do governador, que considerava demasiado intrusivo nos assuntos dos colonos. Segundo Thomas: «O surto de cólera [1820], e subsequente interrupção das comunicações, foi um pretexto utilizado pelos Desbassayns, porém bastante mal explorado. Tentaram tirar partido do facto de a vigilância do governo já não ser suficientemente direta ou ativa… resolveram deportar o governo e mandá-lo de volta para França… e tiveram de tentar fazer com que somente o governador [Milius] deixasse a colónia. Acreditaram que a ocasião era favorável e vieram com rodeios ter comigo para me falarem dos seus planos». Thomas recusou esta traição, e no final o plano acabou por não ir mais longe.
Posteriormente, as suas posições mudaram. Compreendeu que podia aspirar a uma posição de grande destaque na colónia, independentemente do regime da metrópole, e não estava errado. Foi sucessivamente nomeado membro do Comité consultivo de agricultura e comércio de Bourbon em 1820, e membro do Conselho Privado. Em 1825 foi nomeado cavaleiro da Legião de Honra e conselheiro colonial a partir de 1826. Foi membro do novo Comité agrícola criado em 1839 pelo governador de Hell. Após o anúncio da revolução em 1848, ele, o proprietário de escravos conservador, foi nomeado por aclamação presidente da Assembleia Colonial cujo objetivo «não pode ser o de colocar a colónia em situação de hostilidade face à Metrópole, nem o de fazer recuar a emancipação». Eleito conselheiro municipal de Sainte-Marie em 1854, tornou-se conselheiro geral do mesmo cantão no ano seguinte. Ano após ano, as suas responsabilidades tornaram-se cada vez mais importantes: primeiro presidente da Câmara da agricultura em 1854, e dois anos mais tarde, presidente do Conselho Geral. Três anos antes de falecer, foi nomeado oficial da Legião de Honra. Assim, Charles Desbassayns concordava com Welcome Ozoux: «Aceita-se qualquer mudança de regime que a pátria mãe gosta de infligir a si própria com uma calma e serenidade que, uma vez confirmada, se transforma amiúde em entusiasmo de interesseiro e quase sempre em lealismo transitório» .
Em 1863, o homem que facilitou a transição de uma colónia de esclavagista para uma colónia agroindustrial, a Ilha da Reunião tal como hoje a conhecemos, faleceu.
Desbassayns, tal como os seus homólogos produtores de açúcar, compreendeu a rentabilidade limitada da escravatura num contexto capitalista, comparativamente ao trabalho assalariado. Optou por manter os laços de pertença à metrópole, na condição de que a natureza desses laços passasse definitivamente do nível político para o nível económico, numa lógica de configuração de assimilação, que é uma das características definidoras do regime republicano, desde logo aceite pelos plantadores.
Charles Desbassayns tinha-se tornado uma espécie de autoridade universal na ilha, conhecedor dos estudos e descobertas da ciência, e reconhecido como um incansável experimentador nos campos agrícola e industrial. A qualquer estrangeiro que viesse visitar ou estudar a colónia fazia-se a seguinte pergunta: «Esteve com o Sr. Desbassayns?».
Diz-se que este homem, cuja ligação à sua ilha era proverbial, alguns dias antes da sua morte, deixou com esforço o leito onde padecia para ser levado ao Conselho Geral, onde, apesar do seu sofrimento, presidiu lucidamente debates sérios.
Todas as personalidades notáveis da ilha, a música da Ressource, as filhas de Maria, os jesuítas, uma multidão considerável assistiu ao seu funeral. Os cordões do pano mortuário, como se costuma dizer, foram segurados por de Lagrange, diretor do Interior, des Molières, presidente da Câmara de Saint-Denis e vice-presidente do Conselho Geral, Bellier de Villentroy, presidente do Tribunal imperial, Thomy Lory, presidente da Câmara de Sainte Rose e membro do Conselho Geral, Mottet, notário e membro do Conselho Municipal e Dejean de la Batie.
Atualmente, Charles Desbassayns caiu totalmente no esquecimento.