Nesse ano, a Sra. Desbassayns adota uma disposição a favor dos mais carenciados: «Ordeno que, no mês a seguir à minha morte, se distribua uma quantia de 2000 piastras em milho ou dinheiro pelos pobres do meu distrito.»
Como elemento de comparação, calculando que uma piastra corresponderia a três libras, um armazém de 22,80 m2 feito em materiais dispostos na horizontal e coberto de folhas, do falecido Louis Fontaine, na ravina de Pont no rio Rivière d’Abord, foi avaliado em cerca de 67 piastras no inventário de 9 de abril de 1807 .
Esses atos de generosidade funcionavam como recompensa, mas não alteravam o estatuto dos recompensados.
A Sra. Desbassayns nomeou seus testamenteiros os filhos ou genros que residissem na colónia à data da sua morte, contanto que fossem dois. Caso contrário, a tarefa seria confiada a um dos seus amigos (Antoine Parny, Sainte-Croix…) em troca de um presente de 500 piastras em argentaria.
A senhora Desbassayns tencionava dividir os seus bens entre todos os filhos, netos e bisnetos. Do testamento constam todas as suas propriedades, os seus animais e os pormenores relativos aos seus escravos, bem como um capítulo especial dedicado à capela de Saint-Gilles.
Somando a bomba a vapor do estabelecimento de Bernica (5000 F), o dinheiro disponível em Bourbon (56 950 F) e a restituição que os seus descendentes deviam fazer à herança (104 270 F), o montante total a partilhar ascendia a 1 661 350 F.
As suas propriedades situadas no oeste da ilha foram divididas em várias partes.
A propriedade de Saint-Gilles incluía:
– O terreno, a casa principal, os anexos (dois pavilhões de madeira, quatro armazéns, uma prisão, um hospital, uma cozinha para os Negros, uma cozinha de pedra para os Senhores, um pavilhão que servia de despensa, um galinheiro, estábulos etc.);
A refinaria de açúcar (sete edifícios de pedra que serviam de armazém, purga de xarope, forja, barracão contendo uma bomba a vapor de seis cavalos com um moinho de oito cavalos e uma Wetzell, estábulos de pedra etc);
Uma máquina hidráulica utilizada para captar a água da parte baixa de Saint-Gilles até à fábrica de açúcar, tubos e cisternas para a condução e a receção da água;
Uma casa construída em madeira e argamassa; um edifício de pedra onde habitava o administrador; e um outro situado perto da costa que servia de depósito para o transporte do açúcar.
A estimativa total perfaz 502 500 francos.
– Os 295 escravos associados a essas propriedades são avaliados em 428 150 francos.
– Por fim, os animais de tração e outros animais (16 mulas vindas de Poitou ou de Buenos Aires com carroças e arreios, bem como 39 bois de carroça da ilha e de Madagáscar com as respetivas carroças) são avaliados em 20 000 F. Um rebanho de 13 bois e 36 cabras é citado a título de informação.
O montante total ascende a 950 650 francos, ou seja, 57 % do total. À semelhança de outras propriedades, o valor da mão de obra, os escravos, representa uma proporção considerável (45 % dos bens de Saint-Gilles).
Os terrenos de Saint-Gilles foram divididos em várias parcelas. O de Saint-Gilles propriamente dito (concessão de Duhal), que era o mais extenso, incluía um lote de 89 ha 65 a 4 ca para a cultura da cana, além de outro com 54 ha 63 a 6 ca apenas para a cultura de géneros alimentícios, sendo o restante constituído por terrenos baldios ou incultos sem valor apreciável.
Dividida em plantação de cana-de-açúcar e cultivo para alimentação, a terra denominada Emery Mahé constituía um anexo da anteriormente citada; o terreno denominado Léon Parny, do qual uma parte era de qualidade inferior; a terra denominada Carrosse (41 ha 70 a 61 ca, e outro lote de qualidade inferior de 25 ha 46 a 35 ca); a parcela Millemont Ricquebourg composta por 11 ha 87 a 11 ca de terras boas e as restantes em comum; o terreno Tourangeau, do qual 21 ha 36 a 79 ca eram terras cultivadas; as terras situadas em Grande Ravine, das quais apenas uma parte muito pequena se encontrava desbravada e o resto eram bosques e savanas. A superfície total de todas as terras de Saint-Gilles perfazia mais de 316 ha.
A propriedade Bernica era composta pelos seguintes terrenos:
– Bernica com uma parcela de 28 ha 49 a 5 ca de terras de alta qualidade e as comunas que delas dependiam, bem como três parcelas situadas no local denominado Tan rouge (parte das terras haviam sido oferecidas pelo pai aos seus Negros alforriados);
– Parny com 5 ha 93 a 55 ca de terras de alta qualidade;
– Cadet com 31 ha 22 a 9 ca de terras de alta qualidade;
– Châteaubrun com 9 ha 49 a 68 ca de terras de alta qualidade e 4 ha 74 a 84 ca de terras de qualidade inferior;
– Valère e Virginie com 2 ha 37 a 42 ca de terras de alta qualidade;
– «Petite Terre», com 6 ha 64 a 77 ca de terras de alta qualidade;
– Hilarion Ricquebourg e Maunier, com 18 ha 99 a 36 ca de terras de alta qualidade e 23 ha 74 a 22 ca de terras de qualidade inferior e os municípios que delas dependiam;
– Massard, com 4 ha 74 a 84 ca de terras de alta qualidade e 18 ha 99 a 36 ca de terras de qualidade inferior, mais os municípios, onde existia uma casa de arrecadação de madeira;
– Um terreno delimitado na base pela estrada vicinal e a sul pelo Bras de Bernica com cerca de 18 ha 99 a 36 ca de terreno baixo;
– Brûlé, utilizadas para pastagens, começando na derivação formada pelos dois braços do rio de Bernica que subiam ao cimo da serra.
Em Bernica havia uma fábrica de açúcar composta por uma bomba a vapor de quatro cavalos conhecida como Guerry que tinha um tambor de dez cavalos; uma bateria de cobre; uma máquina Wetzell; um edifício de pedra utilizado como refinaria de açúcar; um edifício de pedra utilizado como purga; dois armazéns de pedra, um grande e um pequeno; uma casa de habitação coberta de palha; outra casa utilizada que alojava o diretor; estrebarias; estábulos de bois etc.
Além disso, existia uma casa principal construída em pedra, uma grande despensa e uma cozinha empedrada, um barracão de madeira, uma cozinha de madeira para os Negros, uma arrecadação coberta de folhas etc.
No mesmo terreno, havia uma casa de madeira em mau estado chamada Bois de Nèfles, um pavilhão, dois armazéns de madeira, um grande e um pequeno, e uma velha cozinha empedrada; e, no terreno conhecido como Châteaubrun, erguia-se uma casa de madeira com um andar superior não concluída, mas em bom estado.
A estimativa total do valor do terreno com os moinhos de açúcar e outras construções era de 266 000 francos.
A do dos 111 escravos que lhe estavam associados ascendia a 151 750 francos.
A do dos animais de tração e outros animais perfazia 16 500 francos.
O montante total dos bens de Bernica elevava-se a 434 250 francos, ou seja, 26 % do total.
Dessas propriedades, constava uma parcela de terreno sem edifícios denominada «des dattes»; uma outra junto à estrada da qual dependia uma subparcela separada da principal pela rua Saint-Louis e onde se encontrava um pavilhão com uma prensa de algodão e uma pequena parcela de terreno com géneros alimentícios em frente à casa principal; o arrozal de La Fontaine com 1 ha 42 a 45 ca; o terreno de Touchard delimitado na sua base pelas águas da lagoa com 17 ha 31 a 8 ca, dos quais 14 ha eram dedicados à cultura da cana; o terreno de Roche Blanche em Saint-Paul delimitado na sua base pelas águas da lagoa; e, finalmente, o terreno de Pointe des Galets decorrente da herança da mãe com cerca de 2 ha 37 a 42 ca.
O montante era de 110 250 F, sendo o valor mais elevado atribuído ao terreno Touchard (60 000 F) e o mais baixo, ao da Pointe des Galets (250 F).
Parte integrante do seu património, tal como no caso de todos os proprietários da colónia, os 406 escravos da Senhora Desbassayns eram «designados pelos seus nomes, castas, idades e profissões com indicação da avaliação feita pelos peritos». Listados por família ou por indivíduo, a sua avaliação baseava-se na idade, na profissão e no estado físico.
A grande maioria era crioula (nascida na ilha), o que não é surpreendente, pois o tráfico de escravos foi proibido em 1817, sendo essa proibição confirmada em 1830. A esse respeito, notamos que alguns escravos, fossem eles cafres ou malgaxes, eram relativamente jovens, o que prova que foram introduzidos tardiamente na colónia. Por exemplo, Paulin-Leroux, cafre, capataz, de 26 anos, e Ferdinand, malgaxe, sapateiro, de 23 anos, que foi condenado a três anos de cativeiro.
Os nomes são quase todos «convencionais» (Olivier, Geneviève, Candide, Jean Baptiste etc.), mas outros há que refletem fontes de inspiração muito ecléticas, desconhecendo-se quem os atribuiu. Esse tipo de nomes não era exclusivo dos escravos da Sra. Desbassayns, tais como Léveillé, Lindor, Lafleur, Zéphir, Adonis… Encontramos Mardi (Terça-feira), Mercredi (Quarta-feira), Janvier (Janeiro), mas também Sénateur (Senador), Hercule (Hércules), Olympe (Olimpo), Charlemagne (Calos Magno), Vénus, Neptune (Neptuno) e Minerve (Minerva). Bayonne é atribuído a um escravo, assim como Coblentz (referência à história?). Destacam-se também Lolo, Barré, Modeste Petite, Henri Petit (nanismo?) Ozone, Carbon, Mambo, Catiche, Dominique Macondé, Cafre, Éline de Phanélie (filiação?) e Roger dito Dauphin (Delfim).
A Sra. Desbassayns atribuiu uma renda anual e perpétua de 1250 francos à Capela. Os abandonatários da propriedade cumpririam a sua vontade e garantiriam a sua continuidade após falecerem. Caso a entregassem a uma congregação religiosa, a um superior eclesiástico ou à comuna, a anuidade seria devida e paga ao novo proprietário. Celebrar-se-iam aí missas por ela, pelo marido e pelos membros da sua família, a título anual e perpétuo. Os escravos e os habitantes pobres das redondezas, para os quais mandou construir a capela, teriam lugares gratuitos. Se alguma vez se realizasse ali outro culto que não o católico, o serviço da anuidade cessaria.
Além da capela, ela pretendia que os quadros, os vasos sagrados, os castiçais, os ornamentos, os tapetes, os aparadores, os bancos, os cadeirões e as cadeiras, destinados ao seu uso, bem como o altar de mármore que mandara vir de França, fossem incluídos na atribuição que fez aos cinco filhos da propriedade de Saint-Gilles.
Estes testamentos, atos privados, constituem, assim, livros abertos sobre as suas propriedades e instalações. Para além dos aspetos puramente familiares, proporcionam a oportunidade de mergulhar na sociedade colonial de Bourbon do século XIX.