Embora o museu mostre a história dos senhores a partir de um complexo patrimonial diversificado, também restitui a memória daqueles que trabalharam nesta propriedade colonial, primeiro os escravos desde o século XVIII até 1848, depois os trabalhadores contratados após a abolição da escravatura até aos anos 1930, e por fim os pequenos colonos, trabalhadores agrícolas ligados aos proprietários por um contrato de arrendamento.
Tendo em conta a história da ilha, o principal objetivo do Museu Villèle é fornecer aos seus visitantes as chaves para uma melhor compreensão daquilo que define a sociedade da plantação na Reunião e para melhor apreender o princípio fundador que está na base da sua economia, a saber a escravatura.
Antes de apresentar o Museu Histórico Villèle e os desafios do seu desenvolvimento, parece-nos necessário colocar este equipamento cultural no seu contexto insular, a ilha da Reunião e a zona indo-oceânica, uma vasta área geográfica que se estende desde a África Austral até ao continente australiano.
A ilha da Reunião, anteriormente conhecida como ilha Bourbon, está localizada a sudeste de Madagáscar, a norte do Trópico de Capricórnio, a cerca de 10 000 km da França continental. Tendo sido, inicialmente, um local de escala na rota marítima para navios fretados pelas Companhias das Índias, foi sobretudo nos séculos XVIII e XIX que ali se desenvolveu uma economia de plantação. A ilha tornou-se um departamento ultramarino francês em 1946, e, mais tarde, uma região de um único departamento desde as leis de descentralização de 1982 e 1984 e, finalmente, uma das sete Regiões Ultra Periféricas da União Europeia desde o Tratado de Amesterdão de 1997. A ilha, que conta com uma superfície de 2512 km2, tem um relevo muito marcado com um pico de 3070 m de altitude, o Piton des Neiges (fig. n°1). Apresenta paisagens muito diversificadas, porém três quartos da sua superfície estão cobertos por áreas arborizadas escassamente povoadas que se situam a uma altitude superior a 800 m. Os últimos números do recenseamento (INSEE, 2011) indicam uma população de mais de 830 000 habitantes. É jovem e culturalmente diversa. A taxa de desemprego segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho) é muito elevada e representa quase 27,2% da população ativa.
A ilha só foi permanentemente povoada a partir da década de 1660 e passou por várias fases de colonização. Os primeiros colonos franceses estabelecem-se em 1665 com uma mão-de-obra malgaxe. Com a era do café e o desenvolvimento de uma economia de plantação, veio a imigração da Europa, especialmente dos colonos franceses, mas também dos países da zona indo-oceânica: escravos importados de Madagáscar, África (especialmente Moçambique) e Índia. Na véspera da Revolução Francesa, a ilha contava 46 000 habitantes, incluindo 35 000 escravos.
A partir de 1815, com o advento da cana-de-açúcar e apesar da proibição do comércio de escravos, foram trazidos para a ilha escravos e trabalhadores contratados oriundos da África (fig. n°2) e da Índia. Em 1847, os escravos representavam 56% da população (58 308 escravos de 103 491 habitantes).
Após a abolição da escravatura e até à década de 1930, a ilha recorreu a uma mão de obra constituída por trabalhadores contratados, recrutados principalmente na Índia mas também em África, Madagáscar, China, Comores e ilha Rodrigues. Em 1881, dos 169 493 habitantes da ilha, havia entre 46 000 e 62 000 trabalhadores indianos, cafres (africanos), malgaxes e chineses.
Em três séculos e meio, os vários movimentos populacionais foram a origem desta imensa riqueza cultural. É a partir desta riqueza humana, da coexistência de migrantes de várias origens e da mistura cultural que a identidade da sociedade crioula da Reunião foi gradualmente construída, uma identidade em perpétua mutação.
Desde as leis da descentralização, o Departamento (Conselho departamental) e a Região (Conselho regional) partilham a gestão das instituições culturais no quadro das suas competências jurídicas ou complementares, sendo a expressão de uma vontade política.
O Departamento gere três museus franceses, dois localizados na cidade principal (Saint-Denis) e outro no quartel ocidental da ilha, bem como um lugar de memória instalado a noroeste.
Localizado em Saint-Denis, no coração do Jardin de l’État, um antigo jardim de aclimatação botânica criado pela Companhia das Índias Francesas no século XVIII, o Museu de História Natural é o primeiro museu da ilha. Foi inaugurado em 1855 com o objetivo de «transmitir aos jovens um gosto pela ciência em geral, pela zoologia e mineralogia em particular.» Foi apresentado na altura pelo poder colonial como «a sentinela do pensamento francês no mar da Índia.» Originalmente um museu estatal, passou para a tutela administrativa do Conselho Geral em 1992. Desde 2007, o museu é responsável pela gestão científica de um anexo de museu aberto nas antigas salinas situadas no município de Saint-Leu.
O Museu Léon Dierx foi também criado em Saint-Denis pela Colónia em 1911, por iniciativa de dois escritores insulares, Marius e Ary Leblond (pseudónimos de Georges Athénas e Aimé Merlo), a fim de proporcionar um «lugar de educação e memória» para a ilha da Reunião, que era considerada na altura pelas autoridades coloniais como «a pequena França do Oceano Índico». O museu foi guarnecido, graças a coleções de arte moderna, sob a égide de um comité parisiense composto por artistas, comerciantes de arte e intelectuais e, na Reunião, através de doações de coleções locais de arte e história. O Museu Léon Dierx tornou-se essencialmente um museu de arte a partir de 1947, com a chegada de uma doação de Lucien Vollard (irmão do famoso negociante de arte Ambroise Vollard) composta por 157 obras de arte representativas dos diferentes movimentos da arte moderna em França.
O Museu Histórico de Villèle foi criado em 1974, quase trinta anos após a departamentalização, a fim de salvaguardar os testemunhos arquitetónicos de uma propriedade colonial situada no município de Saint-Paul (fig. n°3) e de dotar a ilha da Reunião de um museu histórico. Desde 2007, existe um lugar de memória localizado em La Grande Chaloupe vinculado a este museu. É constituída por antigos lazaretos, edifícios para a quarentena de pessoas construídos a partir dos anos 1860 para proteger a ilha de epidemias e para acolher os vários trabalhadores contratados trazidos para a Reunião. Este sítio patrimonial tem sido objeto, há vários anos, de trabalhos de restauro e é um lugar emblemático da história da colonização na Reunião.
Quanto ao Conselho Regional gere dois museus franceses, bem como dois centros de investigação científica.
Criado no início dos anos 1990 numa antiga fábrica de açúcar no município de Saint-Leu (oeste da ilha), o Museu Stella Matutina é dedicado à história do desenvolvimento industrial da ilha, particularmente à história do açúcar. Contudo, nos últimos anos, o museu avançou para um novo conceito, reorientando a sua vocação para a memória das pessoas e do açúcar.
Após longos anos de gestação inaugurou-se um museu de artes decorativas do Oceano Índico – o MADOI -, em 2007, na cidade de Saint-Louis ( sul da ilha).
A Maison du Volcan, criada em 1992 no município de Le Tampon perto do Piton de la Fournaise – um vulcão ainda ativo – e o centro Kélonia localizado em Saint-Leu, inaugurado em 2006 e dedicado ao estudo das tartarugas marinhas, representam dois centros científicos muito atrativos para o turismo.
Abandonou-se um projeto museológico. Com efeito, as eleições regionais de maio de 2010 desferiram o último golpe à Maison des Civilisations et de l’Unité Réunionnaise – MCUR -, um projeto cultural ambicioso apoiado pelo anterior mandato da Região e que foi a montra da sua política cultural. Tal como os grandes projetos museográficos internacionais iniciados nos últimos dez anos, o projeto da Reunião foi muito inovador em termos de conceção e de tradução arquitetónica. Foi apresentado tanto como um museu de sociedade como um museu de história, sendo, ao mesmo tempo, um espaço científico e cultural.
O Museu Villèle é acima de tudo um lugar de história evocando, a partir dos vestígios materiais que ainda existem, a evolução e as transformações de uma propriedade colonial ao longo de um período que abrange quase dois séculos. Apresenta a história dos protagonistas que a lógica do sistema colonial opõe: por um lado os senhores, colonos imigrantes ou descendentes de colonos originários da Europa e mais precisamente da França, e por outro lado a população servil, quantitativamente mais numerosa e constituída por escravos ou trabalhadores contratados provenientes de Madagáscar, da África Oriental ou da Ásia.
A antiga “habitação” Desbassayns (fig. n°4) – termo utilizado nos séculos XVIII e XIX para designar a propriedade do plantador – apresenta todas as características necessárias para definir e compreender o sistema da economia de plantação na ilha da Reunião, quer em termos do modo de produção e exploração de uma unidade agrícola, quer em termos da instrumentalização de uma população servil.
Localizada em Saint-Gilles-les-Hauts, esta propriedade foi criada durante a segunda metade do século XVIII a partir de várias concessões emitidas no século XVII e unidas pela vontade de uma rica família de colonos crioulos, os Panon-Desbassayns. Henri Paulin e Ombline Panon-Desbassayns, ambos herdeiros de um grande património fundiário, continuaram a aumentar o seu património comum e a estender os limites da sua propriedade que se desenvolveu em faixas a partir da costa, para além dos passos geométricos e dos municípios, até às alturas do distrito de Saint-Paul, ao nível da linha do domínio público situada a uma altitude de cerca de 1 400 m.
A prosperidade da propriedade assentava na exploração da terra em regime direto – a exploração era levada a cabo pelo próprio proprietário –, produção de algodão e especialmente de café no século XVIII, suplantada pelo cultivo da cana-de-açúcar a partir do primeiro terço do século XIX.
A valorização das terras exigiu a utilização de mão-de-obra escrava, essencialmente constituída por escravos até 1848, africanos (ou Cafres), malgaxes, indianos (sub-representados) mas também crioulos (nascidos na ilha) e depois, após a abolição, trabalhadores contratados chamados «engagés», oriundos também de África, Madagáscar mas especialmente da Índia.
Em 1845, a família Desbassayns possuía duas propriedades em Saint-Paul perfazendo um total de 492 hectares de terra cultivada e uma força de trabalho de 401 escravos.
Após a morte da viúva Desbassayns a 4 de fevereiro de 1846, a propriedade passou pelas mãos de vários dos seus filhos até ser retomada por Céline, uma das suas netas, que era casada com o seu primo Frédéric de Villèle, sobrinho do Ministro das Finanças sob a Restauração Francesa, Joseph de Villèle, que ele próprio tinha casado com Mélanie Panon Desbassayns em Bourbon em 1799.
Com a crise que afetou a economia açucareira desde o final do século XIX e que se intensificou durante a primeira metade do século seguinte, os herdeiros da família Villèle agruparam-se numa sociedade anónima, em 1927, a fim de preservarem a unidade da propriedade. (fig. n°5)
Contraíram um empréstimo para investir em equipamento e melhorar a capacidade de produção da cana-de-açúcar, e mudaram para outro método de gestão, o sistema de colonato parciário baseado no princípio da exploração indireta da terra: arrendamento que atribuía 1/3 dos rendimentos aos proprietários e 2/3 aos colonos (agricultores).
Finalmente, a propriedade foi vendida em 1960 a uma empresa de crédito, a Crédit Foncier Colonial, e os últimos descendentes mantiveram o usufruto da casa da família nos termos de um contrato de arrendamento com uma duração de trinta anos assinado em 1971. Dois anos após a sua partida definitiva para a França continental, vira-se uma página da história das grandes propriedades açucareiras e acaba a dinastia Desbassayns-Villèle.
A fim de preservar este notável complexo patrimonial e de abrir um museu histórico, uma parte da propriedade – incluindo a casa senhorial- foi cedida ao Conselho Geral da Reunião em 1973 pelo conselho de administração da empresa proprietária. Por conseguinte, o Museu Histórico de Saint-Gilles-les-Hauts foi criado em 1974 e inaugurado em 1976.
O museu também se apresenta como um lugar de interpretação da escravatura através da figura emblemática de uma personagem bastante excecional que marcou o inconsciente coletivo da sociedade da Reunião, Madame Desbassayns. Esta mulher crioula governou sozinha e com punho de ferro durante mais de quarenta e seis anos, desde 1800 (data da morte do seu marido) até 1846, as duas plantações localizadas no distrito de Saint-Paul onde viveram e trabalharam mais de quatrocentos escravos.
A personagem de Madame Desbassayns, uma figura histórica invulgar e muito controversa, apresenta duas vertentes em que os antagonismos da sociedade da Reunião se opõem. Com efeito, é ilustrada sob duas representações antitéticas, metade anjo, metade demónio, tanto como Segunda Providência que administra firmemente o seu domínio de acordo com um modelo paternalista, como sob o disfarce de granmèr Kal (uma figura popular nos contos crioulos atrás da qual se esconde uma bruxa) a quem se imputa a culpa dos crimes mais abomináveis. Ao longo do tempo, as representações simbólicas de Madame Desbassayns evoluíram com as transformações sociais e políticas da ilha da Reunião, cristalizando o mal-estar e os receios da sociedade pós-colonial.
O Museu Villèle combina uma abordagem histórica de Madame Desbassayns, que fazia parte da realidade social, política e religiosa do seu tempo, com a representação desta personagem no imaginário coletivo da Reunião, uma espécie de monstro quimérico, o modelo do sistema esclavagista.
Na pequena capela doméstica (fig. n°6) localizada perto da casa principal encontra-se a lápide de Madame Desbassayns colocada a 4 de Fevereiro de 1866 aquando da transferência dos seus restos mortais do local da sepultura inicial no cemitério da cidade de Saint-Paul. Enquanto o epitáfio gravado no mármore da laje evoca «a Segunda Providência», na imaginação popular, a pedra partida pelo ciclone de 4 de fevereiro de 1932 – o aniversário da morte da falecida – revela as provas materiais, o verdadeiro estigma da sua infâmia.
Seguramente, ao longo do tempo, a sua reputação como Segunda Providência tem «levado um duro golpe» e hoje, para muitos , pronunciar o nome Desbassayns equivale a denunciar a dureza do sistema colonial e o sabor amargo de uma era passada, mas para sempre marcada pelo drama da escravatura.
Este complexo afirma a sua vocação patrimonial de várias maneiras.
Em primeiro lugar, através da história das suas paredes, com base nos traços bem visíveis do passado, isto é, através do que deixa ver dos edifícios antigos preservados in situ e que testemunham a organização social, económica e religiosa de uma propriedade colonial.
A casa senhorial concluída em 1788 é baseada num modelo arquitetónico clássico importado de Pondicheri (Fig. 7), sendo descrita no século XIX como «um castelo de arquitetura malabar». É esta residência que constitui o principal espaço museológico. Os quartos estão dispostos em dois níveis, as sete salas do rés-do-chão apresentam as coleções permanentes e as quatro salas do primeiro andar são dedicadas à apresentação de exposições temporárias.
A cozinha dos senhores (fig. n°8) ocupa parte de um edifício anexo situado perto da casa principal, respeitando a tradição crioula. No testamento hológrafo de Madame Desbassayns escrito em 1845, é também mencionada uma cozinha para os Negros, um edifício que não foi preservado nem localizado até à data!
Um pavilhão de madeira coberto de ripas (Fig. 9), provavelmente a antiga casa do administrador, foi convertido numa área de receção de visitantes e contém também um escritório e um quarto utilizado como armazém para as coleções do museu.
Na propriedade há um hospital, um edifício de pedra construído para tratar escravos e que serviu de dispensário até ao início do século XX para as pessoas que viviam na zona. Foram aí tratados pelos últimos membros da família que viveram nesta propriedade até 1973! Neste local foi erigido e inaugurado um memorial (fig. n°10) em 1996, a fim de homenagear os escravos da plantação, cafres, malgaxes, indianos e crioulos. Trata-se de uma instalação criada a partir de um documento de arquivo (folha de recenseamento) que indica os nomes dados pelos proprietários, como a idade, a origem étnica e as funções dos escravos. Dois anos antes da celebração do 150º aniversário da abolição da escravatura, era de facto importante – através de um gesto simbólico – marcar a presença dos escravos na propriedade.
Os antigos armazéns formam um edifício longo e compósito chamado longère, que alberga vários serviços do museu em oito salas mais ou menos bem equipadas. Não é acessível aos visitantes, porém existem planos para reabilitar todo o edifício, a fim de abrir novas salas de exposição dedicadas às condições de vida dos escravos na plantação, ao marronnage (fuga de escravos) e às abolições de 1794 e 1848.
A sul da casa senhorial, permanecem as ruínas de uma fábrica de açúcar originalmente construída em 1823-24 e considerada pelos contemporâneos como uma fábrica modelo, equipada com um moinho a vapor para o distrito de Saint-Paul (Fig. 11). O sítio foi objeto de uma campanha de restauração levada a cabo no âmbito de um projeto de integração de 1993 a 1995, sendo hoje em dia ainda uma área pouco acessível. Está a ser estudado um projeto de criação de um percurso de visitantes com vista a dar ao público uma visão da história da fábrica de açúcar, tanto do ponto de vista das técnicas utilizadas no fabrico da cana-de-açúcar como da organização social dos trabalhadores.
No complexo encontra-se uma capela doméstica chamada Chapelle Pointue, construída por Madame Desbassayns para os escravos. O primeiro edifício erguido a partir de 1841 ilustrava uma arquitetura original de inspiração neogótica. A capela foi destruída por um ciclone em 1932 (fig. n°12) e reconstruída no ano seguinte. Uma campanha de restauro em 2002-2003 permitiu restituir a decoração interior, que não tinha sido efetuada durante a reconstrução do edifício em 1933.
Importa salientar a localização do campo, fora do museu, onde se agrupavam as cubatas de palha que alojavam os trabalhadores, primeiro os escravos e depois os contratados. Hoje, o antigo campo, que se tornou uma aldeia residencial, apresenta poucos vestígios materiais da sua história, exceto a disposição das casas mais antigas em terrenos divididos em lotes, e a rede das vias de circulação. Em contrapartida, uma parte da população desta aldeia, constituída pelos descendentes dos escravos ou dos contratados, guarda memórias muito contrastadas dos antigos proprietários, especialmente dos últimos membros da família Villèle. As pessoas que quebram a lei do silêncio – para muitos deles, o passado ainda é um assunto tabu – ora expressam um forte ressentimento para com os antigos senhores do domínio ora um respeito infalível, tingido de lamentos nostálgicos. Sem dúvida, as opiniões divergem conforme a posição que ocupava o membro da sua família na gestão da propriedade.
De acordo com o seu estatuto, o Museu Villèle define-se também através das suas coleções, que são todas elas suportes de conhecimento. É apropriado reconhecer que, até aos anos 80, as coleções do museu formavam um conjunto mais ou menos coerente de objetos e documentos que evocavam diferentes aspetos da história da ilha, mas sem abordar verdadeiramente a questão da escravatura, que, convém recordar mais uma vez, deixou poucos vestígios materiais.
As coleções estão divididas em três grupos: um acervo constitutivo, os depósitos e as aquisições.
– Um primeiro acervo foi constituído aquando da criação do museu em 1974. Um conjunto de objetos de arte decorativa e mobiliário foram adquiridos pelo Conselho Geral à família e até hoje, permitem-nos evocar a vida de uma família de plantadores crioulos (fig. n°13) no rés-do-chão da casa da família no quadro de uma exposição permanente. A vida dos senhores, é claro, mas não a dos escravos!
– O segundo conjunto corresponde ao depósito de uma parte das coleções constituídas com vista à abertura de uma secção histórica prevista no Museu Léon Dierx aquando da sua criação em 1911. Os objetos recolhidos, doados pelas grandes famílias da Reunião, tinham sido relegados para os espaços recônditos das reservas do museu desde 1947, data da chegada das 157 pinturas de arte moderna doadas por Lucien Vollard. Vale a pena notar que entre estes objetos se encontra uma espingarda dada ao temível caçador de marrons (escravos fugitivos), o denominado Mussard, bem conhecido dos habitantes da Reunião.
– As aquisições feitas para o museu incluem várias coleções constituídas com vista à criação de um museu histórico nos anos 1970: maquetes de navios da Companhia das Índias, numismática (tesouros encontrados na ilha) e porcelanas da Companhia das Índias doadas por uma associação criada para o desenvolvimento dos Museus do Ultramar (ADMOM). Estas coleções deveriam ser testemunho da expansão colonial francesa.
– Foi a partir dos anos 90 que o Museu Villèle começou a orientar a sua política de aquisição em várias direções. Em primeiro lugar, foi necessário reforçar o acervo existente, especialmente a secção histórica, comprando documentos iconográficos e obras sobre vários temas, a expansão colonial francesa, a sociedade de plantação, mas também o comércio de escravos e a escravatura na Reunião (fig. 14) e nos países e ilhas do Oceano Índico (fig. 15).
– A criação de novos acervos permitiu a entrada da arte contemporânea nas coleções do Museu Villèle, a fim de evocar certos aspetos da história da servidão ou de permitir uma abordagem das culturas dos países da região que contribuíram para o povoamento da Reunião. Desta forma, foram adquiridas obras pictóricas da Tanzânia representativas do movimento Tingatinga (fig. n°16), desenhos característicos da tradição Madhubani (região de Bihar no norte da Índia), esculturas de artistas Makonde de Moçambique, uma coleção de gravuras do fotógrafo Dityvon feitas durante uma estadia em Zanzibar, obras de artistas da Reunião ou que trabalham na ilha, Wilhiam Zitte, Antoine Du Vignaux (fig. n°17), Ann Marie Valencia, Marie-Chrystine Miara, Nelson Boyer…
– Finalmente, em 1993, o museu empreendeu a salvaguarda de partes de máquinas e ferramentas da antiga fábrica de açúcar (fig. n°18) dispersas pela propriedade ou encontradas durante as várias campanhas de escavação efetuadas por ocasião de um projeto de restauração no local da fábrica. Este material arqueológico foi objeto de um censo, a constituição de um ficheiro de identificação, a realização de esboços e fotografias. Alguns dos objetos desta coleção irão beneficiar de uma grande campanha de restauro que terá início no final do ano.
Desde os anos 90, o Museu Histórico Villèle adquiriu uma variedade de recursos para assegurar a sua missão de educação e transmissão de conhecimentos. Sem entrar em mais detalhes sobre o conteúdo das ações planeadas e os métodos utilizados para cada uma delas, podemos mencionar alguns eixos prioritários:
– A ação cultural do serviço educativo e do pessoal da receção do museu é determinante para iniciar uma abordagem de mediação com o público escolar e os centros de lazer, incluindo a produção de ferramentas pedagógicas, a receção de equipas de professores das escolas e a criação de novas obras.
– A definição de uma política de exposições temporárias regulares permite diversificar a oferta cultural do museu, produzir instrumentos de reflexão e de conhecimento, enriquecer o conteúdo da visita museográfica e, em particular, abordar a escravatura sob diferentes aspetos: investigação genealógica, estatuto da mulher, condições de vida, evocação da «cafritude» (a identidade africana e negra)…
– Embora não disponha de uma área suficiente, foi contudo criado um espaço a fim de organizar o embrião de uma biblioteca especializada em vias de desenvolvimento. Consiste principalmente em trabalhos sobre a escravatura, a contratação de trabalhadores estrangeiros e as culturas dos países da região do Oceano Índico. Em 2011, o acervo foi enriquecido por uma significativa doação de livros antigos sobre a África Oriental, narrativas de viagens, expedições de exploradores e missões religiosas.
– Para além da publicação de catálogos de exposições temporárias, o Museu Histórico lançou este ano uma linha editorial intitulada Collection patrimoniale / Histoire (Acervo patrimonial / História). O objetivo é promover uma ampla difusão do conhecimento sobre a sociedade da Reunião com a contribuição de investigadores do mundo académico, favorecendo simultaneamente a qualidade e diversidade dos documentos iconográficos preservados nas instituições patrimoniais, nomeadamente os arquivos e museus da Reunião. O primeiro título publicado, Henri Paulin Panon Desbassayns. Autopsie d’un gros «Blanc» réunionnais de la fin du XVIIIe siècle é um estudo biográfico do historiador Claude Wanquet.
– Assemelhando-se a um templo de conservação do passado, o museu histórico é também um gerador de arquivos do futuro. A criação de uma coleção audiovisual (fig. 19) responde à necessidade de arquivar os destaques do museu, de enriquecer o discurso museográfico, designadamente durante a apresentação de exposições temporárias, e de recolher os testemunhos de informadores, detentores de memórias, conhecimentos ou saber-fazer.
– Universitários, historiadores, antropólogos e associações são regularmente consultados no domínio dos seus conhecimentos para participarem nos projetos de investigação do Museu Villèle, e constituem um verdadeiro comité científico informal que funciona como uma rede.
– A assinatura de acordos internacionais com instituições culturais dos países da zona do oceano Índico é também um pré-requisito para qualquer projeto de cooperação. Foi neste âmbito que o Museu Histórico pôde conceber duas exposições: uma, intitulada Dominique Macondé e apresentada em Saint-Gilles-les-Hauts (fig. n°20), fruto de um trabalho científico realizado em parceria com os museus nacionais de Moçambique; a outra, coproduzida em 2010 com o Instituto Francês de Pondicheri, permitindo ao público indiano conhecer as ligações que existiam entre a Índia e a ilha da Reunião através da história do movimento de contratação de mão de obra.
Museu local, museu de coleções, museu da economia da plantação, museu de descoberta das culturas que forjaram a identidade da sociedade crioula, o Museu Villèle deve encontrar o seu caminho a partir de todas estas identidades. Atualmente, não mostra explicitamente a história da escravatura, porém neste sentido deve afirmar mais claramente este objetivo, que faz parte da sua vocação histórica. Aceita assim o desafio de propor um programa museográfico adaptado à natureza dos seus edifícios, que poderão por conseguinte revelar os aspetos mais sombrios da sua história. Não querendo ser o lugar exclusivo da história da Reunião, nem tampouco reivindicar o monopólio da mesma, é uma das testemunhas mais emblemáticas e, a fortiori, continua a ser a testemunha inelutável da rememoração da escravatura.