A essência desses repertórios em si, que se tornaram uma entidade de direito próprio na Reunião, e que encontramos em seis ilhas do Oceano Índico de diversas formas, é a mestiçagem. As estéticas musicais, as coreografias ou, ainda, os instrumentos, resultam efetivamente de sucessivas misturas culturais e sociais.
A fusão dos contributos afro-malgaxes deu origem ao maloya, enquanto a «crioulização» dos legados afro-malgaxes e europeus deu origem ao séga.
Ao longo da sua história, o maloya foi sofrendo transformações evidentes e cobrindo diversas realidades musicais, passando de «danse des Noirs», «danse des Nègres» e «danse des Cafres», para «t’siega», «tsiega», «tchiega», «tchéga», «chéga», «shéga» e «ségah» até culminar em séga, em finais do século XIX e inícios do século XX. Esta antiga forma musical e coreográfica também deu origem a uma segunda forma harmonizada, considerada mais popular, fundindo as práticas das danças de salão de tradição europeia com os ritmos afro-malgaxes que já se haviam enraizado e tornado locais, no século XX. Trata-se do séga (cujo termo homógrafo mais antigo para designar o género musical na sua génese foi assim substituído pelo vocábulo maloya). Temos, desde então, duas grandes estéticas musicais e coreográficas tradicionais na Reunião: o maloya (uma fusão de contributos afro-malgaxes) e o séga (a «crioulização» do património afro-malgaxe e europeu).
Seja no contexto sagrado (no ritual) ou no âmbito secular, os escravos malgaxes e africanos deportados para o Oceano Índico perpetuaram na Reunião determinados ritos e músicas das suas culturas originais, que se «crioulizaram». Música essencialmente rítmica, composta com instrumentos de percussão e, por vezes, um arco musical e um lamelofone, originalmente, o séga era tocado nos «service kabaré», «service malgache» e «service kaf» (cerimónias de homenagem aos antepassados) e no «bal des Noirs» ou no «bal des esclaves» que se tornou «kabar» (em ocasiões festivas). A partir de 1921, a palavra «maloya» (que, em malgaxe, evoca as noções de mal-estar, tristeza e dor) suplantaria a «séga» original.
Em meados do século XIX, a burguesia — sobretudo composta por militares de diferentes estratos da população colonizadora — introduziu a quadrilha e as danças de salão europeias (contradanças, valsas, polcas, mazurcas, escocesas, etc.) na Reunião. Frequentemente executadas em violino e banjo por menestréis e músicos chamados jouars (jograis), estas danças — sobretudo, as quadrilhas — seriam «crioulizadas» nos salões da burguesia local e, mais tarde, nos bailes populares rurais.
A partir de finais do século XIX, surgiram as produções locais de «quadrilhas sobre melodias crioulas dos Negros, respeitando escrupulosamente o carácter exótico» . Muito em breve, acrescentar-se-iam as letras em crioulo às melodias tradicionalmente instrumentais: o séga contemporâneo ou «chansonnette créoles» nasceu e enraizou-se profundamente na paisagem musical da Reunião, a par das danças de salão em voga, da música clássica e militar, dos romances e das canções de origem europeia, bem como do maloya ritual e festivo.
Presentes em todas as ocasiões cerimoniais ou de entretenimento, indissociáveis dos géneros musicais maloya e séga, as danças também resultavam da síntese dos ritmos difundidos por grupos humanos díspares e desenraizados: no caso do maloya, clandestinamente, na época da escravatura; e, no do séga, no século XX, através dos contributos melódicos e coreográficos das quadrilhas europeias.
Amálgama de expressões corporais de diferentes grupos étnicos, a dança maloya contribuiu para a coesão de uma comunidade (inicialmente, de escravos e, depois, de crioulos). A analogia com as danças bantus e moçambicanas também é muito evidente (pisar, abertura dos braços e saracoteio, sem que os dançarinos se toquem entre eles). Uma vez que alguns senhores não permitiam que os seus escravos se divertissem, muitas reuniões eram clandestinas e as danças seriam executadas nas sombras até à abolição. Desde então, a maloya continuou a ser praticada pela população livre, ansiosa por preservar um costume profundamente enraizado, mas geralmente visto pelas autoridades civis e o clero católico como uma potencial ameaça para a ordem estabelecida. Apesar da tentativa de «proibição» decretada pelo Prefeito Perreau-Pradier, a partir de 1956, a maloya continuou a existir, principalmente, através do culto aos antepassados e das celebrações da Abolição da Escravatura.
A partir de 1976, recuperado para fins políticos pelo Partido Comunista da Reunião, este género de música e dança passou a encarnar a resistência da cultura crioula à assimilação na cultura francesa. Desde 1981, graças à política cultural nacional de Jack Lang a favor do reconhecimento das identidades regionais, o maloya foi oficialmente restabelecido. Por fim, em 2009, o repertório foi incluído na lista do Património Cultural Imaterial da Humanidade da UNESCO. Apoiado pela política cultural local das instituições, o maloya nunca esteve tão presente na rede das artes cénicas (palcos locais, nacionais e internacionais, gravações, etc.) e há mais de 30 anos que se funde continuamente com as diferentes tendências musicais mundiais (jazz, rock, pop, folk, reggae, rap, ragga, dance-hall, e daí por diante). Este dinamismo fez com que, desde o virar para o século XXI, o séga se ressentisse um pouco, assumindo, por vezes, uma imagem ultrapassada e folclórica (no sentido pejorativo do termo) e apesar de fazer parte integrante da música atual, das fontes e especificidades da criatividade musical da ilha.
Originário da África, onde lhe chamam chiquisti ou kaembe, nas províncias do sul de Moçambique, e kayamba, no Quénia e Zanzibar, este chocalho tornou-se raloba em Madagáscar e mkayamba em Anjouan e Mayotte. Também conhecido na Reunião como cavir ou kavia, antes de se tornar caïambre, caïamb e kayanm, este chocalho em jangada corresponde à maravanne das Maurícias. Em malgaxe, a etimologia «kayanm» significa «que soa», enquanto na grande ilha há outro idiofone chamado «kahiamba» (um idiofone tubular). O seu aparecimento na Reunião poderia ser relativamente recente, uma vez que os primeiros textos e gravuras atestando a sua existência datam de 1848.
Este idiofone que se sacode é composto por uma caixa de ressonância retangular (de cerca de 50 cm de comprimento por 30 cm de largura e 3 cm de espessura) feita de uma estrutura de madeira coberta de ambos os lados com caules de flores de cana-de-açúcar atados ou cravejados. Esse recipiente contém no seu interior guizos, geralmente, sementes de plantas tropicais (cana-da-índia, job, e daí por diante) cujo choque produz o seu som característico. O músico segura-o na palma das mãos e ao comprido. Ao agitar o instrumento da esquerda para a direita, pode atingir a caixa de ressonância com ambos os polegares. Uma das litografias de Antoine Roussin, de 1860 (Le séga, danse des Noirs, le dimanche, au bord de la mer), porém, apresenta um músico que, como se fazia nas Maurícias, segurava o instrumento em amplitude.
O kayamb é sobretudo um instrumento rítmico utilizado nas bandas de maloya tradicional e, atualmente, numa série de grupos ligados à corrente de world music.
Comparável ao berimbao brasileiro, este cordofone monocórdio com repercutidor surgiu em várias ilhas do Oceano Índico, como as Ilhas Maurícias e Rodrigues (chamado bom), Mayotte (dzendze lava) e as Seicheles (bonm). Poderá ter tido origem em Madagáscar, onde lhe chamam jejilava, e ter-se disseminado por toda a área, como tantos outros instrumentos tradicionais, pela população servil imigrante da Grande Île. Contudo, também o encontramos em Moçambique, onde este princípio de arco musical com repercutidor é conhecido como chitende, n’thundao ou chiqueane (a sul do Rio Save) e chimatende (na província de Sofala).
Segundo o etnomusicólogo Jean-Pierre La Selve , o nome vernacular «bob» (antigamente, bobre), atualmente específico da Ilha da Reunião, pode ter tido origem na Europa:
Com efeito, o arco musical evoca um instrumento frequentemente retratado na pintura flamenga, o bumbass, um monocórdio cujo repercutidor é uma bexiga porco seca, que era utilizado no Norte da Europa no Carnaval. É, portanto, bem possível que os marinheiros flamengos (…) tenham introduzido esse nome que, por supressão da última sílaba, terá passado de bumbass para bomb e, depois, para bom.
Além disso, revelando semelhanças entre os repercutidores dos instrumentos europeus e os primeiros modelos da Reunião feitos de bexiga, a iconografia da época sustenta a tese de uma origem europeia.
Encontrar a origem do bobre (agora bob) não é fácil, pois, fruto de um sincretismo, tanto a sua execução instrumental como a sua evolução têm evoluído desde a sua chegada à ilha. A bexiga animal que lhe serve de amplificador transformou-se numa cabaça esvaziada cortada em duas partes que passa pela caixa de ferro branca. Outrora vegetal, a corda passou a ser um fio de aço, um cabo elétrico ou de travão de bicicleta. Feito de um ramo encurvado pela tensão de crinas de cavalo, o arco deu lugar ao bastão de 30 cm batavek, ou tikouti (ou, na sua ausência, a uma moeda), que percute o instrumento. Atualmente muito raro, o chocalho kaskavel, que o músico segura tradicionalmente na mão direita (se for destro), é composto por um invólucro vegetal entrançado com granalha no interior (cana-da-índia, job, etc.).
A técnica de execução consiste em agarrar alternadamente a cabaça contra o peito ou o estômago (a altura do repercutidor fixado no braço depende da afinação desejada) e a bater na corda. Segurando o arco ao nível do repercutidor, o músico também pode influenciar o som tensionando a corda com os dedos. Tocado com fins melódico-rítmicos como a solo para lamentos e maloya pléré ou no conjunto instrumental dos eventos maloya festivos (anteriormente, danse des Noirs), o bobre também era apanágio dos marionetistas ambulantes até ao início do século XX.
Da família dos membranofones, o roulèr (anteriormente, rouleur) é um tambor tubular em forma de tonel específico da Reunião, pois, ao contrário dos outros tambores da região, que são, sobretudo, tambores de quadro, este é o único que assenta na horizontal sobre uma calha chamada santyé. Poderia ser legado do tambor cónico (tambor vouve ou longo) já desaparecido mas outrora representado na Reunião nas iconografias e parente do atabaque de Madagáscar (tendo sobrevivido nas Seicheles como tambour séga). É também inegável que o roulèr ou a percussão que inspirou a sua criação resulta de um cruzamento de heranças africanas no período da escravatura. A título de exemplo, encontramos igualmente em Guadalupe, uma antiga colónia francesa povoada por descendentes de escravos africanos, o mesmo tipo de tambor, conhecido como ka. É, portanto, provável que, após a sua chegada à ilha, os escravos da Reunião tenham feito tambores algo diferentes daqueles a que estavam habituados, na medida em que os materiais à sua disposição já não eram os mesmos. Será por esse motivo que não encontramos tambores idênticos ao roulèr no continente africano, de onde ele provém.
O nome vernacular «roleur» poderá advir do movimento das mãos do músico ou do movimento corporal característico da danse des Noirs (antepassada da maloya). Este instrumento que produz a base rítmica da maloya é tradicionalmente feito a partir de um tonel truncado em ambas as extremidades, uma das quais é coberta com pele de bovino curtida e cravejada. Hoje em dia, a ilha já não importa barricas, os fabricantes de instrumentos começaram a fazê-los com madeiras locais como o champac. Para facilitar a afinação, evitando aquecer a pele para a apertar, também tendem a unir a membrana com um sistema de cordas.
Segundo atestam vários documentos da época, no século XIX, o roulèr era tocado com as mãos e podia ser percutido com macete. Nesse caso, o músico não se encavalitava sobre o instrumento, mas, atualmente, essa posição permite-lhe pressionar uma perna contra a pele de bovino para alterar a tensão e obter uma variação de timbre e tom.
Originário de Moçambique, o timba (antepassado da timbila ou mbila), que desapareceu completamente da instrumentação tradicional do maloya no início do século XX, começou por ser um xilofone feito de lâminas de madeira de diferentes tamanhos (de modo a obter uma escala), assente sobre cabaças esvaziadas a servir de caixas de ressonância. Várias iconografias comprovam a existência deste instrumento nos finais do século XIX na Reunião, que também se diz ser um legado do xilofone de pernas de Madagáscar. Com efeito, tanto em Madagáscar como na Reunião, o lamelofone não requer uma cabaça, apesar de, na Reunião, ser instalado no chão ou num buraco escavado, e, em Madagáscar, ser pousado sobre pernas do músico. Assim, podemos concluir que o timba resulta de uma simbiose entre os contributos moçambicanos e malgaxes.
Embora a sua estrutura seja totalmente diferente, o pikèr é um idiofone igualmente de percussão com duas batutas de madeira, que surgiu para substituir a timba no século XX. Comparando com o tsipetrika de Madagáscar, o pikèr consiste num pedaço de bambu (cerca de 60 cm de comprimento e 15 cm centímetros de diâmetro) que assenta na horizontal sobre um pé ou no chão. O seu nome vernacular parece referir-se à técnica de execução do músico, que «pica» o instrumento para produzir ritmos. Fala-se também do sati (palavra indiana veiculada pelos trabalhadores contratados para um pequeno tambor tâmil hemisférico), para designar o mesmo tipo de percussão, em que o corpo vegetal é substituído por um recetáculo em chapa metálica, um bidão esmagado ou qualquer recipiente metálico que possa servir como repercutidor. A sati é, assim, uma derivada do pikèr, que, por sua vez, substitui o timba. Dependendo do timbre desejado resultante do material da cavidade de percussão, os músicos de maloya utilizam o pikèr (vegetal) ou o sati (metal).
Originário da Europa, este idiofone por percussão, cujo nome provém da sua morfologia, foi introduzido na Reunião, na segunda metade do século XIX, ou seja, relativamente tarde, no que respeita à utilização dos outros instrumentos do maloya. Se, atualmente, a grande maioria dos triângulos é de fabrico industrial, até aos anos 1970, vários ainda eram artesanais, feitos a partir de pesadas hastes de aço, do género que muitas vezes se utilizava nos alicerces dos edifícios. Em voga no século XX, atualmente é sobretudo substituído pelo pikèr ou o sati.
A chegada à ilha dos primeiros instrumentos europeus (piano, bandolim, banjo, guitarra, violino, clarinete, flauta, acordeão, etc.) utilizados desde os primórdios do séga (na sua forma europeizada) remonta ao século XIX. Com efeito, esses instrumentos eram principalmente importados, por barco, pelos jovens burgueses que, concluídos os estudos nas academias militares europeias, se juntavam às suas famílias na ilha. Serviam para distrair a alta sociedade nos seus bailes, antes de se generalizarem para as práticas instrumentais populares (quadrilhas crioulas, valsas, polcas, mazurcas, escocesas, ségas, etc.).
Em seguida, no século XX, e, sobretudo, na idade de ouro do séga (1950-1980), instrumentos como a bateria, o baixo ou, ainda, a guitarra elétrica surgiriam para se tornarem parte integrante do repertório atual.