Após a abolição da escravatura (20 de dezembro de 1948), a Colónia recorreu, através do chamado engagisme, a mão de obra proveniente de África e respetivos territórios «satélite» (Madagáscar, Comores), da Índia e da Ásia. Uma vez cumpridas as suas obrigações contratuais, a instalação na colónia permitia-lhes o acesso à propriedade, de acordo com as suas possibilidades, a entrada no mercado de trabalho e constituir, conjuntamente com a população já instalada (brancos e descendentes de escravos), a base da população reunionense atual. Esta população enfrenta atualmente uma taxa de desemprego elevada de 18,43%, contra 7,1% na metrópole (INSEE, 2023).
Para muitos dos habitantes da ilha o sentimento de ser reunionense prima sobre o de ser francês. Devido à insularidade, têm a sensação de serem esquecidos pela pátria. O facto de não se incluir a história e geografia locais nos programas escolares nacionais contribuiu, muito provavelmente, para originar e fazer perdurar este sentimento ao longo do tempo.
Tal facto perturbou certamente a relação da população local com a sua própria história e cultura, grande parte da qual foi transmitida oralmente, alterando a sua relação com a sua ancestralidade e levando-os a questionar cada vez mais a sua identidade.
A alteridade deve ser alcançada através do reconhecimento de si pelo outro. No entanto, num contexto pós-colonial, pode ser complicado não funcionar de outra forma que não seja recolhendo-se na própria identidade, expressando assim uma falha na construção dessa identidade.
Muitos dos autores aqui citados consideram que esta construção parte da negação do outro, gerando uma sociedade em busca das suas origens: «assistimos a uma valorização da africanidade, a um padrão identitário de malgaxitude que, no caso de alguns reunionenses de origem indiana, vem de par com a rejeição do termo malbar, ao qual preferem tamil ou hindu, este último remetendo, aos seus olhos, para uma civilização mais prestigiosa […]. Esta reivindicação de uma família ou de uma sociedade puras, não poluídas por contribuições exteriores […] apresenta indícios de algum etnocentrismo» (Pourchez, 2005, p. 11).
No decurso da história local, os migrantes e os deportados foram por vezes obrigados a praticar clandestinamente os seus cultos originais em prol da religião cristã dominante. Atualmente, as pessoas praticam várias religiões nas suas casas.
A Reunião foi portanto vítima de uma série de feridas simbólicas: a escravatura, o engagisme, muitas vezes sem retorno, e o colapso socioeconómico dos colonos. A isto juntou-se a negação da identidade através da proibição das línguas originais, e mais tarde do crioulo (proibido até aos anos 70) e a quase inexistência de programas escolares sobre a história da ilha.
Neste contexto social, o pai foi destituído do seu papel paternal e filial. No entanto, nem todos estes migrantes provinham de uma cultura matriarcal: consoante as suas origens, o pai podia ter um papel a desempenhar na educação dos filhos: nas sociedades africanas pré-coloniais, «era o pai que ensinava ao rapaz o seu ofício de homem» (Camille. F., 2008), ao passo que, durante a colonização, as crianças aprendiam um ofício útil com o senhor. Atualmente, em muitas famílias, a educação do «marmaille» (a criança) é da responsabilidade da mulher (matrifocalidade) e o ofício é essencialmente aprendido nos bancos da escola nacional.
Para o psicólogo J.-P. Cambefort (2001, p. 64), a destituição do papel conjugal e educativo do pai bloqueará a ligação afetiva da criança, que é quase exclusivamente com a mãe, e dificultará a socialização e a integração da criança nos limites sociais e, por conseguinte, na lei. Cambefort relata que, para milhares de famílias, o facto de ter um patronímico resultante de uma alcunha cujo objetivo era estigmatizar os descendentes de escravos libertos (Nabucodonosor, Tântalo, Hamilcar, etc.) (ibid., p.134), foi prejudicial à função paterna. A psicóloga Bianca Benvenuti afirma que os fatores de desfiliação psíquica atacam o pensamento e os laços relacionais (tanto mais fortemente) quando a transmissão parental é enviesada por toda uma sociedade ou é varrida por traumas coletivos (op. cit., p. 216): estes últimos podem então influenciar negativamente a qualidade da inter-relação entre a criança e o seu progenitor.
De facto, o escravo não sabia se tinha futuro (o senhor tinha o direito de vida ou de morte sobre ele). Esta filosofia do «momento presente» é comummente encontrada no hiperconsumo e no sobreendividamento, encorajados por uma idealização das práticas sociológicas e culturais ocidentais, particularmente o consumismo. Este facto influencia a franja da população que recebe prestações sociais mínimas, «levando-a» a comprar bens manufaturados para além da sua capacidade financeira. Trata-se de uma tentativa desajeitada de ser tão bem sucedido socialmente como as classes sociais mais abastadas.
Além disso, o contexto dos tempos da colónia, em que o direito à palavra não era observado (associado a culturas pouco atentas à consideração do mal-estar psicológico endógeno ), e o facto de as mulheres terem estado confinadas durante anos às tarefas do lar e à educação dos filhos , podem ser as razões para a explosão dos casos de violência intrafamiliar. O maior paradoxo continua a ser o dos «arqui-pais»: estes representantes políticos, muitas vezes envolvidos na corrupção, têm o poder, num clima tenso em matéria de emprego, de distribuir os contratos de trabalho em função das necessidades eleitorais. São modelos de identificação negativos («se o presidente da câmara se safa, eu também me safo»). É ironia da história que o descendente de um escravo assuma por sua vez o papel de senhor, permitindo-se atos de omnipotência, sem respeito pela lei dos homens, que é a garantia da equidade.
A imagem que os filhos têm do pai não é, portanto, gloriosa: num estudo realizado em 1990 junto a 1808 alunos dos 17 aos 25 anos, tanto raparigas como rapazes, levado a cabo em liceus profissionais, Cambefort (ibid., p. 99) mostrou que a maioria (80,5%) dos alunos tinha uma imagem negativa do pai ou do padrasto que não se interessaria pela escolaridade, não dialogaria com eles, seria muitas vezes fisicamente violento, motivo de vergonha, autoritário, por vezes alcoólico ou descrito como louco.
Este estudo deve ser relativizado pelo facto de ter sido realizado num liceu profissional já que estes jovens vêm frequentemente de um contexto familiar difícil. Isto explicaria, pelo menos em parte, a quantidade de críticas negativas em relação aos pais, o que poderia não se verificar num liceu geral. Estes adolescentes, que se encontram quase sempre na faixa etária caracterizada pela oposição à autoridade, podem também exagerar a perceção da sua situação e, por conseguinte, as suas respostas. Contudo, estes números denotam o mal-estar familiar. Para 1,7% dos jovens, o pai ou o padrasto tentou assassinar a mãe, o que representa 30,7 em 1808 crianças, ou seja, uma turma inteira de alunos.
Para além do uso do «chicote pêssego» (um ramo de pessegueiro), o castigo pode passar por obrigar a criança a se ajoelhar durante algum tempo sobre sal grosso (para purificar a alma). O uso da violência é rápido, simples e inequívoco: «muitas vezes sob o pretexto de princípios educativos» (op. cit.), com o argumento de que o que funcionou no passado funciona hoje. Segundo o historiador Yale Néba (2009, p. 28), «os escravos não tinham o direito de se defender das agressões dos senhores… Eram punidos com a morte». E, segundo o Código Negro, «um simples olhar, uma palavra, um gesto acidental, um erro, um acidente ou uma fraqueza eram motivos para chicotear um escravo» (idem., p. 31). Mas se considerarmos a destruição das leis simbólicas paternas, coexiste também a omnipotência materna.
Os clínicos observam regularmente que a criança dorme no quarto ou mesmo na cama dos pais, por vezes até à adolescência . As chupetas e as fraldas são mantidas até aos quatro ou cinco anos, e a criança é amamentada até aos seis anos… Uma herança cultural de certas comunidades africanas onde a criança podia mamar de qualquer peito. Contudo, cultura à parte, este comportamento é mantido por razões psíquicas: partilhar a cama com a criança evita a sexualidade conjugal e mantém a criança psicologicamente dependente da mãe (e vice-versa). O pai, ele próprio criado num contexto em que a mãe tem um espaço preponderante, vê-se então limitado na sua capacidade de reivindicar o seu lugar no casamento e encontra-se reduzido ao papel de mero progenitor, não participando no cuidado dos filhos por sua própria iniciativa. A sua esposa também reproduz a sua própria experiência: os filhos pertencem «às mães» (mãe, avós, cunhadas, etc.). «Tradicionalmente, ela [a mãe] é a única responsável pela educação dos filhos, sendo que o pai quase não participa nas tarefas domésticas e familiares» (Breton, 2005, p. 135).
A antropóloga Laurence Pourchez explica que alguns pais também deixaram de estar presentes no parto: «quando as maternidades foram criadas, a partir do momento em que o padrão tradicional do parto foi perturbado […], foram excluídos do parto da mesma forma que os seus homólogos da França metropolitana o foram em meados do século, condenados, devido ao risco microbiano, a fumar cigarro atrás de cigarro no corredor» (2000, p. 31). De facto, a descendência «ilegítima» e o não reconhecimento dos filhos pelo pai são significativos: «entre os nascimentos ditos ilegítimos (uniões de facto e PACS), há uma mistura de nascimentos de casais estáveis e de mães solteiras […]. Em 1999, 45% dos filhos ilegítimos foram reconhecidos pela mãe e pelo pai, e 39% por apenas um dos progenitores», em regra geral a mãe (Breton, 2007, p. 188).
Em contrapartida, segundo Cambefort, «a mãe assume um papel reforçado, primeiramente na vida doméstica e, depois, nas relações com o exterior, nomeadamente com a administração» (op. cit., p.84): «são as mulheres que na maioria das vezes tratam da papelada, pelo que, aquando do seu falecimento, deixam os maridos na ignorância dos imperativos administrativos, soterrados em dificuldades financeiras […]. O homem crioulo é progressivamente enredado numa dinâmica social que o exclui» (Ibid.). Para este autor, «o pai, visto como violento, distante e ausente na educação, deixa de estar envolvido na vida do lar, tornando-se marginalizado. Ele deixa de ser o garante da entrada da criança na socialização exterior, dos limites e da lei […]. Ela [a criança] está, portanto, insuficientemente estruturada relativamente à autoridade tutorial do adulto e cresce em função da satisfação imediata das suas necessidades» (Id., p.85).
«Presente sem estar presente», o pai não pode separar progressivamente a criança da sua mãe. Quando «a mãe idolatra o seu filho, sobrestima-o, sobrevaloriza-o […] que já não ousa mais afastar-se, confrontar-se com o mundo, tal é o seu receio de cair do seu pedestal», segundo o psicólogo Jacques Robion (2003, p. 65-67). Assim, «o homem continua a ser, aconteça o que acontecer, o filho da sua mãe, a quem deve respeito e obediência» (Cambefort, op. cit., p.94). Se o pai está ausente, seja em termos reais, imaginários ou simbólicos, já não se trata de continuar a ser dois em vez de três, mas de continuar a ser um – «isto acontece no momento em que o filho pretende quebrar o contrato que sufoca a sua autonomia» (ibid., p. 65-67) – não permitindo ao filho, agora marido e pai, «investir-se» junto aos seus próprios mulher e filhos.
Assim, «o filho guarda a imagem do pai como um eterno rival […] muitas vezes reforçada na realidade pelos atos violentos do pai deposto, que se refugia no alcoolismo e na marginalidade» (loc.cit.). Esta manutenção da fusão com a mãe (bem como a influência religiosa) contribui para um certo desconhecimento do amor e do prazer: «a sexualidade, por não ter sido verbalizada [e portanto virada para a alteridade], será vivida diretamente no ato, no agir» (ibid., pp. 101-102). Por conseguinte, no seio da família ou do círculo próximo, o abuso sexual de menores, que é de 200 por ano, é proporcionalmente mais elevado do que o número aproximado na França metropolitana (op. cit., p. 105).
O período colonial provocou uma mudança radical no papel paterno na Reunião, que se perdeu entre as injunções ditas tradicionais e modernas relativas às posturas e funções conjugais e familiares. Para muitos homens reunionenses, a parentalidade paterna é objeto de um verdadeiro sofrimento devido a uma perda de identidade e de filiação, gerando uma confusão que é transmitida geracionalmente, como se o homem tivesse recebido uma missão educativa, mas nem sempre sabendo o que fazer nem como. Seria importante ajudá-los a encontrar o seu lugar e o seu papel no seio das famílias, através de uma formação de qualidade dos profissionais (cuidadores, assistentes sociais, magistrados e agentes da autoridade), muitos dos quais são também prisioneiros dos seus próprios prismas: há cerca de dez anos, a criação da unidade hospitalar «mulher-mãe-criança» (obstetrícia, maternidade, pediatria) excluiu, desde logo devido ao nome da unidade, o (futuro) pai.
A história não deve repetir-se, e o psicanalista Lebrun conclui: aprender a pensar «significa aprender, mas sobretudo aprender a aprender […]. Deixar para trás o apoio que ganhámos com o que aprendemos dos outros… Para isso, é essencial encontrar um ponto de apoio que permita deixar o primeiro (a mãe): isto é… um pai» (2007, p. 29).