O termo genérico «Moçambique» foi usado em finais do séculos XVIII e ao longo do século XIX para designar todos os cativos deportados da África Oriental para as Ilhas Mascarenhas , sendo que os próprios cativos africanos ter-se-iam apropriado desse termo no sentido de se definirem a si próprios. Froberville ter-lhes-á colocado uma profusão de perguntas com o intuito de descobrir os nomes das suas «verdadeiras nações» .
Em Bourbon e nas Maurícias, entre 1845 e 1847, Froberville entrevistou mais de 350 pessoas oriundas da África Oriental, na sua grande maioria homens levados entre 1810 e 1830 para essas ilhas de plantação de açúcar , através do comércio ilegal de escravos. Esses ex-cativos africanos proporcionaram a Froberville uma quantidade considerável de conhecimentos (linguísticos, geográficos e etnológicos) sobre os seus países de origem que podem ser rastreados até aos atuais Moçambique, Malawi e Tanzânia.
As notas, os desenhos e a correspondência do etnógrafo francês estão há muito guardados nos arquivos privados Huet de Froberville, que tive o privilégio de consultar em finais de 2018 . Graças à análise dos cadernos e de outras notas manuscritas de Eugène de Froberville, foi possível reconstituir a sua investigação etnológica efetuada nas Ilhas Mascarenhas, identificar 140 dos cerca de 350 ex-cativos africanos entrevistados por Froberville em Bourbon e Maurícias, e descobrir as suas origens e percursos de vid. . Enquanto na colónia britânica das Maurícias, os «Moçambiques» entrevistados por Froberville em 1846 haviam sido libertados cerca de dez anos antes, em Bourbon ainda se encontravam em situação de escravidão.
Neste artigo, vou focalizar-me nos escravizados da África Oriental entrevistados por Froberville durante sua viagem a Bourbon em novembro de 1845. Durante esta curta estadia de cerca de duas semanas, o etnógrafo relatou ter observado cerca de duzentos «Moçambiques» , na sua maioria forçados a cultivar plantações ou explorados como artesãos nas cidades, sendo os restantes escravos domésticos. Os «Moçambiques» entrevistados por Froberville transmitiram oralmente (em crioulo) histórias de vida que revelam a violência da escravatura em Bourbon, apenas alguns anos antes da abolição: «Passava os dias a questionar estes pobres escravos, a ouvir a história comovente das suas vidas», observou Eugène de Froberville em 1846. Ao invés de transcrever nos seus cadernos o conteúdo desses relatos sobre a vida de escravidão em Bourbon – o que teria sido extremamente precioso, já que as histórias de vida dos escravos nas colónias francesas são raríssimas, ou até inexistentes – o etnógrafo interessou-se pelos países de origem desses ex-cativos nascidos na África Oriental. Nos seus cadernos, encontramos excertos de relatos orais e de conhecimentos (sobretudo linguísticos) de «Moçambiques» acerca dos seus países africanos de origem. De acordo com essas notas, foi possível identificar quatro homens e uma mulher entre os escravos oriundos de África Oriental entrevistados em Bourbon, cujos nomes , origens, línguas, práticas culturais e parte das suas trajetórias de vida puderam ser rastreados, de Moçambique a Bourbon. O cruzamento dos arquivos privados de Froberville com os arquivos departamentais da Ilha da Reunião permitiu confirmar a identidade de duas dessas pessoas escravizadas e colmatar lacunas relativas às suas trajetórias em Bourbon, bem como rastrear os seus possíveis descendentes.
Em 12 de novembro de 1845, setenta e nove dias após terem partido de França por via marítima, Eugène de Froberville e a esposa Caroline desembarcaram em Bourbon onde passaram de dezassete a vinte dias, antes de prosseguirem para as Maurícias . A correspondência que mantiveram durante a sua estadia em Bourbon permite-nos reconstituir o contexto da investigação etnológica e linguística realizada por Eugène de Froberville com base nos relatos de pessoas escravizadas nascidas em África. Numa carta endereçada à prima Amélie de Froberville, Eugène conta ter-se dedicado «ao estudo dos africanos que cultivavam as plantações» durante a sua estadia em Bourbon . Hubert Gerbeau demonstrou que o tráfico de escravos ilícito de Bourbon tinha servido diretamente à economia das plantações de açúcar Mencionou também «Moçambiques» que eram artesãos em oficinas ou criados em Saint-Denis. Eugène de Froberville teve acesso a esses escravos africanos com o assentimento dos próprios proprietários que acolheram os Frobervilles. Em Saint-Denis, o casal ficou alojado na casa de Adolphe Lory, em Sainte-Marie na da viúva de Gustave de Tourris, e em Sainte-Suzanne na de Louis de Tourris (filho de Gustave), que ali possuía uma propriedade. . Os Arquivos departamentais da Ilha da Reunião fornecem informações valiosas sobre as famílias Lory e de Tourris, colonos que vieram das Maurícias para a Ilha da Reunião em 1826 e 1827, respetivamente . Na mesma altura, em 1827, Prosper Huet de Froberville (1791-1839), pai de Eugène, deixou as Maurícias com a família para se estabelecer na França. À frente de várias empresas comerciais (domiciliadas nas Maurícias e em França), Prosper tinha forjado relações económicas com Bordéus e Liverpool, e teria aproveitado as condições mais favoráveis, adotadas pela Inglaterra em 1825, em matéria de venda de açúcar proveniente da colónia das Maurícias . Depreende-se facilmente que Adolphe Lory (industrial e comerciante), Gustave de Tourris (industrial e proprietário de terras) e Prosper Huet de Froberville (comerciante), todos nascidos nas Maurícias e pertencentes à mesma geração, mantinham relações sociais e/ou comerciais. O facto de Eugène de Froberville ter transmitido informações sobre a indústria açucareira nas Maurícias à família Lory, corrobora esta hipótese . É provável que os Frobervilles também tivessem elos familiares com algumas das grandes famílias latifundiárias da Ilha da Reunião. Eugénie Huet de Froberville (cujo apelido de solteira era Bon), mãe de Eugène, era parente afastada da Senhora Desbassayns que havia convidado o jovem casal Froberville como hóspede em novembro de 1845, contudo a filha, a Sra. de Villèle, adoeceu, pelo que o convite não pôde ser mantido .
Durante a sua estada em Bourbon, Eugène de Froberville dedicou-se ao estudo das línguas da África Oriental . Dos seus cadernos constam vocabulários em abundância obtidos de escravos «Moçambiques» em Saint-Denis, Sainte-Marie e Sainte‑Suzanne. Froberville agradeceu aos proprietários Adolphe Lory e Louis de Tourris que colocaram à sua disposição «os escravos africanos que possuíam, o primeiro nas suas oficinas em St Denis, o segundo na sua casa em Sainte-Suzanne» . Os vocabulários «Makua» e «Niambane» também foram recolhidos em Sainte-Marie na casa da viúva de Tourris, a mãe de Louis Nas de Tourris, que convidara os Froberville a ali permanecer por alguns dias .
Em Saint-Denis, Froberville dedicou o seu tempo a coletar «vocabulários de todas as pessoas negras Makua que conheceu», afirmou a esposa Caroline . Acredita-se que Froberville entrevistou principalmente homens pois eram especialmente numerosos nas plantações. Os escravos de sexo masculino, chamados cafres na propriedade da família de Tourris em Sainte-Suzanne, eram quase todos cultivadores . Em Sainte-Marie, na propriedade da família de Tourris, «Eugène continuou a aprender makua e niambane» . Ao todo, Froberville recolheu em Bourbon quatro vocabulários das línguas «moadjaoua» [yao], «maravi», «makoua» [makua] e «makōssi» [ou «cafre», também confundido com a categoria conhecida como «niambane»]» .
Esses dados linguísticos proporcionam-nos pistas valiosas sobre as origens e, por vezes, sobre as rotas do tráfico negreiro e as viagens forçadas dos escravizados entrevistados, que falavam frequentemente várias línguas da África Oriental, algumas das quais aprendidas durante a sua travessia forçada do interior de África e, em particular, durante o período de aquartelamento nas costas. A título de exemplo, determinadas variantes da língua Emakhuwa eram faladas por cativos que haviam sido deportados do litoral norte de Moçambique para ilhas situadas no oeste do oceano Índico .
Na Reunião, a maioria dos chamados «Moçambiques» entrevistados por Froberville em 1845 eram Makua, Maravi, Yao e «Yambane». Estes grupos sociolinguísticos eram oriundos de regiões por vezes muito distantes umas das outras: os Yao do noroeste, os Makua do norte e os Maravi do centro-oeste e do noroeste de Moçambique. Os Yao eram na maioria das vezes deportados através de rotas internas para os portos de Kilwa ou ainda Moçambique, os Makua e Maravi dos portos de Moçambique ou Quelimane.
As línguas Yao, Makua e Maravi (Chewa, Manganja) ainda hoje são faladas em Moçambique. O termo «Niambane» ou «Yambane» era um termo genérico usado em Bourbon para se referir a todos os cativos deportados a partir do porto de Inhambane , localizado no sul de Moçambique, e não correspondia a uma realidade sociolinguística. Os vocabulários obtidos graças aos chamados «Niambane» provinham provavelmente de línguas faladas na região de Inhambane.
Em 1845, o facto de que ex-cativos do tráfico ilegal de escravos, que haviam sido introduzidos em Bourbon por vezes desde há várias décadas, tenham conservado a memória, porventura a prática, das línguas da África Oriental, assemelha-se a uma forma de resistência cultural contra o processo de desumanização provocado pela escravidão.
Os africanos escravizados entrevistados por Froberville transmitiram testemunhos orais e histórias de vida na língua crioula de Bourbon, que Eugène de Froberville, ele próprio natural das Maurícias, falava sem dificuldade. Para a sociedade dos senhores de Bourbon, o aristocrata de Paris era visto como um homem curioso, excêntrico, que passava os dias a falar com escravos.
«Os colonos não conseguiam entender o meu interesse por este trabalho, e alguns sorriam com desprezo. Conversar com um negro, procurar sentimentos e ideias sob o seu invólucro feio! É preciso ter muito tempo de ócio! Diziam eles», escreveu Eugène de Froberville .
As discussões com os senhores e as narrativas dos escravos convenceram Eugène de Froberville da necessidade de abolir a escravatura nas colónias francesas, pois a violência dessa instituição em Bourbon era flagrante, em especial a brutalidade das mulheres proprietárias para com os seus escravos.
«As minhas conversas com os habitantes de Bourbon tornaram-me um filantropo: não acredito que a escravidão seja uma bênção para os Negros. Estas pessoas, que têm fama de serem selvagens, sofrem perante o infortúnio, e eu senti isso quando as vi chorar perante a brutalidade das senhoras e raparigas brancas. A Sra. Trollope retratou perfeitamente o modo como as senhoras tratam e usam os seus escravos, e nada há de mais revoltante», relatou Eugène de Froberville numa carta endereçada à mãe .
Durante uma excursão a Salazie, a esposa Caroline estava sentada numa poltrona carregada por escravos por meio de paus longos. Esses escravos, que teriam transportado «todas as mulheres de Bourbon», pertenciam à Sra. Lory, proprietária de um domínio nas imediações das montanhas de Salazie .
Nascido em 1815 nas Maurícias, numa sociedade escravista colonial, Eugène de Froberville deixou a ilha natal quando tinha doze anos para se estabelecer em França. Foi em 1845, durante a sua estadia em Bourbon, que afirmou ter-se tornado ciente de que a escravidão era «uma coisa horrível». Esta denúncia da violência da escravatura, por parte de um membro da elite colonial das Ilhas Mascarenhas, atentava contra a memória aristocrática que há muito se esforçava por transmitir a ideia de que a escravatura em Bourbon era mais «humana» do que alhures .
«Os colonos de Bourbon que publicam manifestos afirmando oficialmente que o escravo é moral e fisicamente a pessoa mais feliz do mundo, têm consciência de que estão a mentir oficialmente. Não obstante esta má-fé político-social, os habitantes de Bourbon são amigáveis e hospitaleiros, sendo muito amáveis com qualquer ser humano revestido de uma pele branca», escreveu Froberville .
O discurso de Eugène de Froberville era, de facto, muito ambíguo e mudava significativamente dependendo da pessoa a quem se dirigia. Certamente não manifestava esses pensamentos abolicionistas aos seus anfitriões. Froberville fazia parte da sociedade dos senhores, ele próprio era descendente da elite colonial das Ilhas Mascarenhas. Foi esse elevado estatuto social que lhe permitiu transgredir parcialmente os costumes da época e estabelecer uma relação de natureza diferente entre um membro da sociedade dos senhores brancos e escravos africanos: uma relação de dominação, marcada pelo preconceito, mas que ao mesmo tempo implicava o reconhecimento das pessoas escravizadas como produtoras de conhecimento e protagonistas culturais.
Dos nativos africanos entrevistados por Froberville em 1845 em Bourbon encontravam-se os nomes de Virginie, Onsinānga, Malāssi e Mtchirima Thomas, que eram legalmente escravos de Adolphe Lory em Saint-Denis, bem como Mkūto Germain, que era escravo de Louis de Tourris na sua propriedade em Sainte-Suzanne.
O testemunho de Virginie é ainda mais excecional por ter sido a única mulher entrevistada por Froberville em Bourbon de cujo nome temos hoje conhecimento. Froberville não menciona o nome original de Virginie, mas apenas aquele que lhe foi atribuído na colónia de Bourbon, para onde foi deportada e escravizada.
Virginie teria nascido por volta de 1809 no sul do atual Moçambique. De acordo com Froberville, Virginie era «Makossi-Niambane», o que indica que seria originária do sul do que é hoje Moçambique. Virginie proferiu vocábulos «makossi» que foram anotados por Froberville nos seus cadernos, sob a forma de um léxico francês-«makossi» de cerca de vinte páginas . Para além da memória da língua, Virginie trazia consigo marcas culturais do seu país de origem. Froberville refere a «tatuagem em relevo» usada por Virginie na testa, uma linha de «pontos» que iam do cimo da testa até à ponta do nariz, uma característica do povo «Niambane» feita com um pequeno gancho e uma faca: «puxa-se a pele com o gancho, depois faz-se uma incisão» . Era, de facto, uma escarificação generalizada em vários grupos étnicos do sul de Moçambique.
O desenho acima foi muito provavelmente realizado por Froberville em novembro de 1845 durante a sua estadia na Ilha Bourbon. Trata-se do único desenho de retrato de mulher «niambane» e/ou «makossi» existente, podendo tratar-se da representação de Virginie.
O facto de ter uma tatuagem indica possivelmente que a pessoa já fora iniciada aos saberes do seu grupo social de origem antes de dele ter sido extirpada. No caso dos rapazes essa iniciação poderia consistir em ritos de circuncisão, e no caso das raparigas na sua primeira menstruação. Pensa-se que Virginie teria pelo menos uns dez anos aquando da sua deportação, durante a década de 1820 ou inícios da década de 1830, da costa sul de Moçambique, provavelmente da região costeira de Inhambane, para Bourbon. Foram registadas várias expedições de tráfico ilegal de cativos chamados «Yambane» durante esse período em Bourbon, nomeadamente as dos navios Deux-Frères em 1826 e Marie em 1827 . Rastreamos Virginie na década de 1840 entre os escravos de Lory (pai) registados em Saint-Denis . As entrevistas realizadas em 1845 por Froberville a Virginie ter-se-iam desenrolado na casa de Adolphe Lory em Saint-Denis. Em 1848, Virginie foi registada como escrava doméstica de 39 anos, da casta «Moçambique», medindo 1,60 m e ostentando «os sinais característicos ou marcas do seu país» ; as tatuagens faciais descritas por Froberville.
Outros escravos de Lory, interrogados em novembro de 1845 por Eugène de Froberville em Saint-Denis, foram definidos como sendo «Makossi-Niambane», Malāssi e Onsinānga [Onsignānga], e transmitiram-lhe os vocabulários «niambane» e «makossi», respetivamente.
Onsinānga relatou que deixou o seu país quando ainda era jovem. De acordo com os topónimos e etnónimos transmitidos, o seu país localizava-se a sul do atual Moçambique. Froberville aprendeu vocabulários «Makossi» com Onsinānga, sendo verosímil que tenham conversado sobre gramática e fonética. Relativamente a este africano escravizado, Froberville observa o seguinte: «A inteligência deste homem é altamente desenvolvida» .
Das várias práticas culturais «niambane» (tatuagens, práticas ornamentais ), Froberville evoca a música e a dança, referindo os « acessórios hediondos que usam quando dançam». Esta observação, imbuída de preconceito, é interessante na medida em que sugere que Froberville assistiu a danças «Niambane» em 1845 em Bourbon. Froberville realizou belos desenhos e esboços dessas danças, destacando movimentos em roda ou em fila de homens e mulheres que possuíam elementos culturais comuns.
Entre 20 e 25 de novembro de 1845, Froberville interrogou outro escravo de Adolphe Lory nas suas oficinas em Saint-Denis. Nascido por volta de 1806-1810 no território que hoje corresponde a Moçambique, «Mtchirima Thomas» pertencia ao grupo étnico Maravi, que ocupava um vasto território no centro-oeste de Moçambique, numa região fronteiriça com o Malawi. Os topónimos e etnónimos que transmitiu permitem-nos localizar o seu país de origem com bastante precisão: duas semanas de caminhada a sul do Lago Niassa e um dia de marcha de distância de Senna, um posto de guarnição portuguesa localizado nas margens do rio Zambeze, a que os Maravi chamavam «Lombādzi». Foi levado à força do interior do vale do Zambeze, provavelmente para o porto de Quelimane. O seu nome «Mtchirima» é indubitavelmente derivado do termo «Tsirimane», que era o termo usado localmente para Quelimane. Por volta de 1825 , quando tinha quinze ou dezasseis anos, foi deportado para a Ilha Bourbon, no contexto de tráfico de escravos ilegal. Várias expedições clandestinas assinaladas pelos portugueses em 1827 e 1828 em Quelimane podem ser rastreadas até navios envolvidos no tráfego para abastecer Bourbon . Mtchirima foi renomeado Thomas chegando à ilha. Nas oficinas de Saint-Denis, onde os escravos de Lory (operários, ferreiros, caldeireiros, fundidores) eram forçados a trabalhar, Froberville anotou vocabulários «maravi» em abundância (cerca de oitenta páginas) graças a Mtchirima Thomas. Dos escravos da sociedade de Lory e Pitel recenseados em Saint-Denis em 1841 constava um certo Thomas, 35 anos, manobrador, que apresentava as «marcas de seu país» . Estas informações são coerentes com os dados solicitados por Froberville a Mtchirima Thomas, que tinha uma tatuagem Maravi que consistia numa espécie de estrela gravada na testa, nas têmporas e no peito. Os Maravi limavam os dentes incisivos em forma de bico .
Em Sainte-Marie, Froberville interrogou Mkūto, um escravo de Louis de Tourris, que foi batizado com o nome de Germain. Mkūto estava em idade de casar quando foi extirpado à sua terra natal.
Chamados nas Maurícias e em Bourbon de «Moujaoua», «Mujāva» ou «Monjavane» , os Yao ocupavam um vasto território no que é hoje o noroeste de Moçambique. Os cativos Yao eram obrigados a caminhar até vários meses para chegar à costa em Kilwa ou Moçambique. Neste último porto comercial, os Yao eram os cativos mais numerosos, revelou um comerciante das Ilhas Mascarenhas no início do século XIX Agrilhoados e amontoados em navios, aqueles que sobreviviam à travessia marítima eram escravizados nessas ilhas de plantação. Entre eles, Mkūto que tinha conservado a memória do seu país bem como a prática da sua língua materna. Nos cadernos de Froberville encontramos cerca de trinta páginas de palavras traduzidas do francês para Yao por Mkūto. .
Em Bourbon, o Yao pode ter sido usado como língua de comunicação por escravos fugitivos. Editado num livro recente do historiador Jérémy Boutier , um documento escrito por Auguste Logeais da década de 1840 refere os diálogos de escravos «marrons» numa língua africana até então não identificada . Graças aos cadernos de Froberville, foi possível determinar esta linguagem como Yao.
A conservação, no contexto da escravatura, da memória do país de nascimento na África Oriental, de nomes (individuais ou coletivos) de origem, de línguas, ou ainda de músicas e danças, surgem como formas de resistência cultural e identitária dos «Moçambiques», que foram das últimas pessoas escravizadas pelo tráfico ilegal em Bourbon.
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