Esta é uma necessidade que resulta das condições de navegação; os navios chegam a esta região após quatro a cinco meses de navegação e os homens precisam obrigatoriamente de uma renovação da sua alimentação. O grande perigo desta longa travessia é o aparecimento do escorbuto, uma doença epidémica causada por uma carência vitamínica, principalmente em vitamina C. O único remédio conhecido é a distribuição de produtos alimentares recentemente colhidos e ricos em vitaminas. É igualmente necessário renovar o aprovisionamento de água (5 litros por homem e por dia) e de madeira para cozinhar alimentos. Pode ainda ser necessário proceder a algumas reparações.
Os Franceses percorrem pontualmente esta rota desde o início do século XVII e estão habituados a atracar nas costas de Madagáscar onde encontram os víveres de que necessitam. Em 1642, Richelieu, com o objetivo de atribuir um carácter permanente às trocas entre a França e a Ásia Oriental, funda a Companhia do Oriente, bem como o estabelecimento de Forte Delfim (assim batizado em homenagem ao jovem Luís XIV) no sudeste de Madagáscar. Além disso, ordena a tomada da Ilha Mascarin, a que o governador Flacourt chama Bourbon, “incapaz de encontrar um nome que melhor descreva a sua bondade e fertilidade”, e que tinha permanecido, até à data, livre de qualquer presença europeia visto que as suas costas não ofereciam abrigo natural.
Sob o domínio francês, a ilha é habitada, de modo irregular, por enfermos em repouso, bem como pessoas indesejáveis afastadas temporariamente de Forte Delfim. Em 1663, a pedido do Marechal de La Meilleraye, o principal acionista da Companhia, os administradores desta criam um posto militar porque: “… este lugar é muito saudável, muito fértil e possui muita abundância em carne e peixe”.
Em 1664, a Companhia do Oriente é associada à importante Companhia das Índias Orientais, fundada pelo controlador geral das finanças Colbert, para rivalizar com a muito ativa Companhia holandesa com o mesmo nome. O ministro sonha em transformar o Forte Delfim em outra Batavia, um porto comercial ativo que sirva todo o oceano Índico, mas não consegue angariar o capital necessário, e o entreposto francês desvanece. Em 1674, após confrontos entre os malgaxes e os colonos, vários destes últimos são assassinados e os sobreviventes deixam o Forte Delfim para outros destinos, em especial Bourbon.
A falta de dinheiro e a guerra quase permanente entre os Franceses e os Holandeses impediram o desenvolvimento da ilha. No início do século XVIII, após quarenta anos de existência, esta conta com 1 100 habitantes, muitos dos quais nasceram in loco, já que a ilha recebe muito poucos novos colonos . Apesar da abundância de caça e fruta, os capitães dos navios hesitam em lançar âncora na ilha porque a exploração agrícola mal começou e a disponibilidade alimentar é aleatória. Em quarenta anos, apenas dez navios provenientes de França e vinte de regresso atracam em Bourbon. A administração da Companhia das Índias e os colonos, não têm a disponibilidade financeira, e tampouco a vontade de melhorar a situação.
A mudança é trazida pela instalação de piratas arrependidos. Na década de 1685, a grande pirataria oriunda das ilhas da América tropical alcança o oceano Índico. Os piratas estão a par do elevado valor dos carregamentos de metais preciosos transportados pelos navios europeus, que vêm comprar produtos orientais, e procuram apoderar-se deles. No caminho fazem escalas para se refugiarem e reabastecerem nas costas de Madagáscar, idealmente situada na rota entre a Europa e a Ásia; além do que nenhuma autoridade exerce justiça nessas paragens. Para obter os produtos europeus de que carecem, os piratas, que possuem muito dinheiro, vêm a Bourbon e são bem recebidos. Alguns são seduzidos pelas condições da vida quotidiana e assentam definitivamente. Já em 1687, o governador envia um pedido aos diretores da Companhia para a instalação de seis corsários holandeses arrependidos, pedido esse que foi aceite. Mais tarde, aos padres missionários que receiam que: “… esses selvagens devastem a vinha do Senhor”, o governador Antoine Boucher responde: “Não devem esquecer que os melhores habitantes de Bourbon eram piratas ”.
A pedido dos diretores da Companhia das Índias, o mesmo Antoine Boucher redige em 1710 uma Nota para servir o conhecimento particular de cada um dos habitantes da Ilha Bourbon , na qual dá indicações precisas. Esses diretores são numerosos – 40 dos 121 chefes de família, isto é, 48% dos habitantes; são ricos, assim sendo, o provençal Jacques Siboalle pode dispor de 13 500 libras, o escocês Rabin de 12 000 libras, o martinicano Jean Leroy de 8 400 libras, e usam esses fundos para comprar escravos e de seguida dar início ao arroteamento e à exploração de uma propriedade; acima de tudo contribuem com um espírito empreendedor cujo efeito é decisivo.
Esta nota é a prova de um interesse renovado por parte da administração da Companhia das Índias pelo desenvolvimento da ilha Bourbon, num momento em que a situação financeira melhora, graças à cessão do monopólio das relações comerciais entre as Índias Orientais e a França a um grupo de armadores de Saint-Malo associados com o financeiro Crozat. Em dezembro de 1709, esta administração nomeia Louis Boyvin d’Hardancourt, filho do seu secretário-geral, “Comissário-geral para a visita dos estabelecimentos da Companhia das Índias…” a fim de dar-lhe um conhecimento “mais preciso e seguro”. Louis Boyvin fica em Bourbon de abril a setembro de 1711 e viaja por toda a ilha. No final da sua viagem apresenta duas propostas : 1.ª “A impossibilidade de ter um porto na Ilha de Bourbon fez-me olhar para as Ilhas Maurícias, desertas e abandonadas pelos holandeses há muitos anos (1710) (que os holandeses deixaram em 1710). Considero que não há melhor que a Companhia das Índias de França possa fazer do que obter uma instalação sólida para atracar os seus navios, onde ficarão resguardados nos dois portos existentes. 2.ª Nunca duvidei que a plantação de cafezeiros fosse bem sucedida nesta ilha. A prova está nas plantas de café selvagens que encontrei no planalto por de trás de St. Paul...”.
Estas duas propostas são aprovadas pela Companhia, pelo Conselho do Rei, e imediatamente implementadas. Um navio é enviado às Maurícias e toma posse da ilha rebatizando-a “Ilha de França”; outro traz 60 cafezeiros de Moka e desembarca em Bourbon em setembro de 1715. Das 20 árvores que resistiram à travessia, apenas duas ganham raiz e geram a produção do “Bourbon rond”. O cultivo da variedade local, “Bourbon pointu”, é abandonado porque a produção é irregular e o aroma pouco agradável. Antoine Boucher, vice-governador e mais tarde governador da ilha tem por caráter a impaciência dos administradores e prossegue obstinadamente a implementação da cultura . O primeiro carregamento – 3 400 libras – é enviado em 1724 e, de seguida, segue-se um crescimento exponencial, com 100 000 libras em 1727 – “Por fim, esta plantação teve êxito e a Companhia tem agora de esperar por colheitas mais abundantes para compensar todas as despesas que já efetuou”, escrevem os diretores, após receberem 900 000 libras em 1734 – em 1740 recebem 1 500 000 libras, em 1744 2 500 000 libras e, após essa data, uma produção anual de 2 milhões a 2,5 milhões de libras.
Toda a planície costeira de Bourbon é gradualmente transformada por colonizadores a partir de Saint-Paul e Saint-Denis. As paróquias de Saint-Louis e Sainte-Suzanne são fundadas em 1728, Sainte-Marie em 1733, Saint-Benoît em 1734, Saint-Pierre em 1735 e Saint-André em 1740.
A exploração transforma a paisagem. Na costa, os agrimensores delimitam os “passos da Companhia”. Trata-se de uma faixa de terra de 50 passos, isto é, cerca de 80 metros, delimitada com “madeira vertical” com o intuito de apoiar a defesa em caso de desembarque inimigo. O resto do terreno, a partir desta reserva até ao pé da “muralha”, limite exterior da zona montanhosa, está dividido em “concessões”. São faixas bastante estreitas – de 25 a 125 metros – mas muito longas, por vezes com vários quilómetros de comprimento por corresponderem à distância entre duas ravinas. A área é muito variável, sobretudo que desde 1732, nas áreas recém-abertas ao cultivo, os agrimensores, a pedido da Companhia, traçam quatro linhas paralelas à costa e aos passos da Companhia, a 100, 200, 400 e 600 metros (muitas vezes ainda marcados na divisão parcelar atual porque formam limites de propriedade seguidos por caminhos), com vista a criar pequenas concessões.
O estudo realizado por Jean Defos du Rau sobre as dimensões das propriedades nos recenseamentos de 1773 a 1778, dá uma ideia da sua dimensão: 26,2% deles têm menos de 5 hectares; 10% de 5 a 10 hectares; 40,1% de 10 a 20 hectares; 21,2% de 20 a 100 hectares; 2,5% acima de 100 hectares . As grandes propriedades, ou seja, com mais de 2500 hectares, são raras e resultam sempre da fusão de várias concessões separadas entre si.
As terra são arroteadas e cultivadas por escravos cada vez mais numerosos. Quando a Companhia das Índias foi fundada em 1664, a monarquia proibiu a escravatura: “É expressamente proibido vender qualquer habitante originário do país como escravo sob pena de vida; ordena-se a todos os franceses que os alugam ou os retêm ao seu serviço para que os tratem humanamente, sem os molestar ou insultar, sob pena de castigos corporais caso haja tal coisa ”.
No entanto, os “domésticos” mencionados nos primeiros recenseamentos parecem ter condições de vida próximas das dos escravos. A palavra “escravo” surge em 1690 em correspondência oficial, e em 1713-1714 nos recenseamentos. Com o desenvolvimento da cultura do café, a administração da Companhia pede ao rei um texto regulamentar para organizar a escravatura nas ilhas do oceano Índico. Este é publicado em dezembro de 1723, e inspirado em grande parte pelo “Code noir” (Código negro) de 1685 destinado às ilhas da América .
A partir dessa data, a Companhia organiza expedições comerciais anuais e vende os escravos aos proprietários das concessões. Em 1723 havia cerca de 600 escravos para uma população total de 1 200 pessoas. Em 1730 havia 4 000, ou seja, mais de 80% de uma população total de 4 800 pessoas. A mesma percentagem é registada ao longo do resto do século XVIII, com 8 000 escravos para uma população de 10 000 habitantes em 1740; 11 000 escravos por 13 500 habitantes em 1750; e 15 800 por 20 000 em 1764.
A maioria destes escravos são originários de Madagáscar (64% em 1735). A Companhia mantém ali um posto com um alto funcionário permanente, em Foulepointe, a norte do atual porto de Tamatave, e prefere os cativos oriundos daquela ilha devido ao menor número de mortes durante a travessia (próximo da dos europeus com 12%, contra 21% no caso de viagens a partir da costa leste de África), não obstante o facto de os colonos recearem que estes roubem uma canoa e tentem regressar ao seu país natal. Durante a segunda metade do século XVIII, os crioulos formam gradualmente uma minoria significativa (mais de 30% em 1762). Há poucos escravos de origem indiana – sempre menos de 5% – com uma hesitação frequente sobre o estatuto entre escravo e artesão livre. Quase não há concessões de alforria porque a administração da Companhia é desfavorável a isso.
As condições da vida quotidiana são organizadas pelo édito de 1723. Tal como nas Antilhas, o escravo é um “bem mobiliário”, julgado como incapaz perante o tribunal e não usufruindo do direito de propriedade exceto o de um “pecúlio”. O proprietário é responsável pelas ações do seu escravo e deve-lhe proteção e comida. A quantidade diária de alimentos é fixada pelo édito a uma libra e meia de arroz para um homem, uma libra para uma mulher; ao passo que o escravo idoso ou aleijado deve ser mantido pelo mestre. Deve receber instrução religiosa e não pode ser obrigado a trabalhar aos domingos e feriados. É proibido vender o marido, a mulher e os filhos separadamente. O direito de correção limita-se à flagelação, porém são previstas sanções muito severas no caso de roubo, aglomeração e fuga.
É difícil entender as condições reais da vida quotidiana através destas noções jurídicas. O texto seguinte, de um proprietário denunciado pela sua severidade, pode dar-nos uma ideia:
“Regulamento dos negros do Sr. Desruisseaux. Artigo 1.° Os negros que andem pelas noites sem a permissão do mestre ou daquele que o representa dormirão, após a primeira vez, uma noite no bloco, 8 dias aquando da segunda vez, um mês aquando da terceira e serão amarrados à corrente durante um mês no seguimento da quarta vez.
Artigo 2º. Aqueles que forem apanhados a roubar os vizinhos ou na propriedade do senhor, dormirão, aquando da primeira vez 8 dias no bloco, 15 dias da segunda vez, e permanecerão 14 dias amarrados às correntes aquando da terceira vez.
Artigo 3º. Aqueles que tentarem fugir serão punidos com 30 chicotadas aquando da primeira vez, amarrados às correntes durante 15 dias e dormirão um mês no bloco aquando da segunda vez.
Artigo 4º. Todos os negros que pratiquem uma espécie de comércio com os seus camaradas, vendam ou comprem algo sem a permissão do senhor, serão punidos com 30 chicotadas.
Artigo 5º. Nenhum negro, nem sequer o chefe, dormirá fora sem o aval do senhor, seja qual for o motivo. Aqueles que quiserem dormir fora depois do trabalho notificarão o senhor ou o seu representante, sob pena de 20 chicotadas aquando da primeira vez.
Artigo 6º. Os meus negros não admitirão negros estranhos na habitação ou na sua sanzala sem avisar o senhor.
Artigo 7º. Todos os guardas que surpreendam ladrões na minha casa serão recompensados. Se for um fugitivo, a captura será para eles. ”
O “marronnage” (fuga de escravos) existe apesar das sanções, especialmente porque é facilitado pelo terreno acidentado dos “cimos”. O número de escravos fugitivos é difícil de estimar porque muitos regressam à concessão após alguns dias de liberdade; o governador La Bourdonnais estima-os em 200, em 1735. Às vezes formam bandos armados e vão até à costa em busca de ferramentas, armas e mulheres. Por vezes, os colonos são assassinados ao depararem-se com eles e tentarem opor-se às suas ações, como o cavaleiro de Brossard em 1732 e François Moy em 1737. No rescaldo destes assassinatos, os colonos formam milícias sob o comando dos capitães distritais, geralmente ex-oficiais do exército da Companhia, e organizam batidas nas terras altas para capturar os fugitivos e destruir os seus acampamentos. São bem sucedidos e o perigo de fuga parece ter diminuído consideravelmente na segunda metade do século XVIII.
Todavia, as dificuldades dos cativos não devem ser exageradas. A esperança de vida dos escravos de Bourbon é superior – mais de metade dos homens têm mais de 40 anos em 1765 – à da dos escravos das ilhas da América. Na primeira metade do século XVIII, pelo menos a vida familiar parece ser generalizada (mais de 80% dos nascimentos de escravos são de pais conhecidos na paróquia de Saint-Paul) e este é um bom indicador de estabilidade; é possível, no entanto, que tenha sido menos frequente na segunda metade do século XVIII devido à deterioração da situação económica.
Com o cultivo do café o número de colonizadores aumenta e é proporcional ao sucesso das plantações. Após um modesto crescimento de 600 a 800 colonos de 1720 para 1730, este valor passa para 2 000 em 1740 e 2 500 em 1750, e a tendência prossegue à mesma cadência elevada até atingir 4 000 colonos em 1764.
Quarenta por cento destes colonos são empregados ou ex-empregados da Companhia das Índias, tanto dos escritórios como do exército. Além disso, os nobres são mais numerosos em Bourbon do que nas províncias da metrópole. Na ocasião do recenseamento de 1776 conta-se 6 000 brancos divididos entre 700 famílias vindas da Europa, das quais 35 dessas são qualificados de escudeiros ou cavaleiros, uma percentagem de cerca de 5%, substancialmente superior à dos nobres da sociedade da metrópole. São os benjamins de famílias nobres que procuram beneficiar de um salário pago regularmente pela Companhia das Índias – um serviço vizinho do da monarquia – e a partir de 1766 pelo próprio soberano, explorando, ao mesmo tempo, uma propriedade.
“Só se vem à Índia para fazer negócios”, escreve o governador La Bourdonnais num breve comunicado enviado ao ministro das Finanças, “a opinião contrária não pode ser exigida por não ser natural ”. Os colonos desejam fazer fortuna, alguns alcançando-a com talento, como o governador Benoît Dumas. Quando foi enviado para as ilhas em 1727, os diretores-gerais emitiram a seguinte ordem: “O Sr. Dumas testemunhou à Companhia a sua intenção de formar propriedades por sua conta, a Companhia ordena que lhe sejam concedidas (a ele) terras que ainda não foram atribuídas, um terreno na ilha de Bourbon com características semelhantes às daquele que foi concedido ao falecido Sr. Boucher, nos mesmos termos e foros que os dos outros habitantes ”. Dumas também adquire 20 000 libras em terras em curso de arroteamento, terras às quais os concessionários tinham renunciado, e compra, de 1727 a 1732, 143 escravos por 50 000 libras, num total de 70 000 libras. Revende o conjunto em 1735, ao ser nomeado governador de Pondicherry, por 150 000 libras. Duplicou, portanto, a sua fortuna em menos de oito anos . A situação é favorável, como observa um notário em 1756: “É do conhecimento geral que os bens imóveis explorados nesta ilha… geram (anualmente) mais de dez por cento ”, enquanto o rendimento na metrópole é de cerca de 5%.
Com exceção daqueles que casam com uma rica proprietária crioula (geralmente dez a quinze anos mais nova do que eles) a principal dificuldade é o endividamento. A concessão é gratuita, mas é necessário dispor de capital para comprar escravos, que são onerosos, e dar início à produtividade ao fim de três anos, de acordo com os regulamentos. Assim, em 1737, o oficial Balmane de Montigny é preso (e morre) por não ter conseguido saldar uma dívida contraída para a compra de 20 escravos; em 1747, o oficial Denis d’Acqueville morre após dois anos de permanência quando havia acabado de obter uma concessão e comprado 29 escravos, deixando um passivo de 17 819 libras por um ativo de 13 245 libras; em 1744, o alto funcionário Joseph Dacian morre, ao cabo de quatro anos de residência, deixando uma fortuna de 9 821 libras e uma dívida de 5527 libras, ou seja, 56% do ativo; no mesmo ano, o alto funcionário François Mathieu morre, após dez anos de residência, com um património de 23 332 libras e um passivo de 15 878 libras, o equivalente a um endividamento de 68% . Porém, há grandes êxitos, como o de François Bertin, antigo comandante da ilha, que adquire um cargo de secretário do rei por 105 000 libras ao regressar à metrópole em 1767, mas em geral, as fortunas daqueles que têm sucesso ascendem a 10 000 a 20 000 libras; estas permitem-lhes viver adequadamente em Bourbon, contudo muito modestamente na metrópole.
No geral, as fortunas dos colonos diminuem durante o século XVIII. Uma das principais causas é a queda do preço do café Bourbon. Em agosto de 1723, a Companhia recebe o privilégio exclusivo da venda de café em França e anuncia a Bourbon que “tornando-se o objeto cada vez mais considerável” receberá a produção da ilha a 10 solos por libra . Todavia, o seu privilégio é duplamente contestado. Primeiro pelas cargas de Moka desembarcadas em Marselha; em teoria, este porto franco é separado do resto do reino por uma barreira aduaneira, mas esta é ineficiente e o contrabando é considerável. De seguida, devido ao aumento da produção de café das Antilhas que é aclimatizado a partir de 1721, apesar da hostilidade dos diretores da Companhia que tentam impedir o envio de plantas de Moka para a América. Em junho de 1729, obtiveram uma ordem do Secretário de Estado da Marinha aos administradores das Antilhas para ali proibir o cultivo de café, mas os plantadores não levam isso em consideração, especialmente porque o seu café é bem escoado no resto da Europa. Em 1732, o trânsito do café das colónias americanas é autorizado pela França; em 1736, é-lhe autorizada a entrada no reino. Como consequência, o café Bourbon, que tem de percorrer 2 600 léguas para chegar a França, entra em concorrência com o das Antilhas, que provém de apenas 1200 léguas de distância. Além disso, os holandeses desenvolvem o cultivo de café na sua colónia de Java e a sua produção inunda os mercados do Norte da Europa. Como resultado, a Companhia reduz o preço de compra a Bourbon para 8 solos por libra em 1730, 5 solos em 1732, 4 solos em 1744 e 3 solos em 1745. E à época, alega vendê-lo a 11 ou 12 solos na metrópole apesar do frete custar 6 solos.
Os rendimentos dos colonos são afetados por esta diminuição do preço de compra. Além disso, os cafezeiros estão sujeitos a riscos naturais que provocam uma redução considerável da colheita, como um furacão em 1732, uma invasão de pulgões de 1747 a 1749, etc.
Ademais, a divisão equitativa das heranças das concessões entre os herdeiros, de acordo com o costume de Paris em vigor nas colónias francesas, leva a uma fragmentação desfavorável à exploração das terras. As parcelas divididas em um ou dois campos cultivados, ao longo de um comprimento substancial, tornam-se corredores impossíveis de cultivar . O resultado é a multiplicação dos “pequenos brancos”: em 1735, um homem branco em cada 57 vive sem escravos ou com apenas um ou dois escravos, ou seja, na miséria; em 1779, 10 brancos vivem nestas condições.
O aumento da pobreza é um pouco abrandado pelo desenvolvimento da produção agrícola para o reabastecimento de tripulações, uma necessidade regularmente recordada pela administração da Companhia. Nas décadas de 1720 e 1730 esta prescrição raramente foi seguida, como narra um oficial da Marinha em 1734 durante uma escala: “Pensamos apenas no café e por isso parece que nos esquecemos de nós próprios já que a maioria dos habitantes, apenas preocupados com a sua cultura, não têm os meios, aquando da chegada dos navios, para fornecer os víveres que se tornam cada vez mais raros ”. La Bourdonnais, que chega ao governo das ilhas em 1735, reage contra esta tendência, narrando: “… quase pateticamente aos habitantes, pois a Companhia tinha estabelecido esta ilha apenas para fornecer víveres aos seus navios ”.E é escutado: no final do seu mandato, Bourbon produz 5 500 quintais de trigo, 9 000 quintais de arroz, 40 000 quintais de milho e, simultaneamente, o conselho governamental da ilha observa: “Enquanto a guerra (da Sucessão Austríaca) durou, a ilha de França retirou-nos subsídios consideráveis em grãos e certamente não teria sido capaz de sustentar a grande quantidade de navios que tinha no seu porto, se não tivesse encontrado aqui trigo e milho… ”. Por conseguinte, o essencial é fornecido, contudo o fornecimento de arroz e de carne de vaca salgada de Madagáscar continua a ser necessário.
Em 1764, quando o governo considerou colocar as ilhas sob a autoridade direta da monarquia, os diretores da Companhia das Índias afirmaram: “As ilhas custaram aos acionistas cinquenta milhões e os colonos devem à Companhia toda a sua riqueza”. Com efeito, a Companhia concede empréstimos aos habitantes para lhes permitir comprar escravos e iniciar a exploração; os juros acumulados sobre estes empréstimos – reembolsados em café – devem, naturalmente, fazer parte das despesas da Companhia. Desde 1722, esta última manteve um exército de 150 homens para a guarda e a polícia da ilha e comprometeu-se a pagar um salário aos administradores civis. Estas despesas são amplamente compensadas, por um lado, pelas receitas da venda dos escravos transportados pelos navios da Companhia e da venda de café na metrópole; por outro lado, de acordo com a portaria de 23 de abril de 1723, a Companhia vende aos colonos mercadorias europeias (ou asiáticas) com um lucro de 100%, depois de 125% e mais tarde de 150% do preço da fatura. No caso dos vinhos e bebidas espirituosas este lucro é de 200 a 300%. Esta receita, conforme ao princípio de exclusividade, é a principal fonte de rendimentos da Companhia. A isto deve-se adicionar, a renda de 4 onças (em espécie) por arpente de café e o produto dos direitos de transmissão (aproximadamente 15 000 libras). Assim, a população de Bourbon, uma vez realizado o primeiro esforço de investimento, cobre as suas despesas. Poder-se-ia até considerar que é lucrativa, tendo em conta a obrigação da Companhia de ter uma escala na rota da Ásia Oriental.
Em suma, a exploração de Bourbon sob o regime da Companhia das Índias é um êxito material e financeiro. O equilíbrio comercial e financeiro é alcançado, porém conseguido à custa de colonos e escravos.