Uma sociedade de plantação

As grandes famílias de plantadores

A «casa» Kervéguen
Autor
Jean-François GÉRAUD

Historiador
MCF Universidade da Reunião,
CRESOI – OIES


A «casa» Kervéguen

Uma encosta chamada Kervéguen, situada no limite do território de Saint-Benoît, na orla da floresta de Bébour… Algumas ruas denominadas Kervéguen, bem como um auditório… Estes nomes, agora opacos para os reunionenses que os leem, são tudo o que resta de uma família que dominou a ilha durante o século XIX e inícios do século XX. Comerciantes, produtores de açúcar e políticos por vias travessas, os membros da família Kervéguen fomentaram a industrialização da ilha durante três gerações, convertendo-a numa terra de inovação, enriquecendo e contribuindo para a criação da primeira classe operária do mundo, a dos escravos Negros das plantações… Estes empresários, hoje esquecidos, bem como o seu trabalho, instauraram progressivamente a modernidade económica e social na ilha.

Contrariamente ao sucedido na Europa, em Bourbon, o papel desempenhado pelos comerciantes ou negociantes na implantação da atividade industrial foi irrelevante. No início (1810-1817), eram poucos (5%), pelo que o capital comercial não era determinante. Denis de Kervéguen, comerciante de Saint-Pierre que se tornou plantador e mais tarde, em 1827, produtor de açúcar, foi a notável exceção à regra.

Denis Marie Le Coat de Kervéguen, cadete naval originário da Bretanha, foi o primeiro da linhagem insular a desembarcar na ilha em 1796. Descendente da nobreza, sem dinheiro nem perspetivas no contexto revolucionário, constrói a sua prosperidade em Saint-Pierre recorrendo a uma estratégia dupla. Primeiramente, casa-se com Angèle Césarine Rivière, que o integra na sociedade de Bourbon e lhe proporciona uma base patrimonial (6000 libras e cinco propriedades); de seguida, casa-se com Geneviève Hortense Lenormand, que o insere na burguesia de Saint-Pierre e permite consolidar o seu património. Contudo, o rendimento agrícola não lhe interessa. Vende uma parte das suas terras e abre uma casa de comércio, onde comercializa chapéus, tecidos – nomeadamente o tecido da Guiné, de tom azul índigo, utilizado para confecionar as roupas dos escravos –, ferramentas, vinho, azeite e especiarias, que traz de Saint-Joseph. Graças à ajuda de Joseph de la Poterie, instala dois moinhos na foz da Rivière d’Abord e funda uma padaria que fornece pão à cidade, às aldeias da região e aos navios de passagem. Durante a ocupação inglesa, colabora tanto com os invasores como com os Desbassayns, não abrandando a sua atividade. No início da década de 1820, decide reinvestir os lucros do negócio na compra de terras e lança-se no cultivo da cana-de-açúcar. Em 1827, funda as primeiras fábricas de açúcar da família em Casernes e Terre-Rouge, utilizando a água do canal de Saint-Etienne. Nesse mesmo ano, aquando da sua morte, a sua fortuna ultrapassava um milhão de libras, mais de metade da qual era ainda constituída por dívidas e menos de um terço por escravos e bens imobiliários.

Inicialmente, o filho mais velho, Gabriel, ligado pelos laços do casamento  à poderosa família Chaulmet, prossegue as atividades comerciais do pai.

Em 1829, juntamente com o irmão Augustin, desenvolve a atividade de importação e exportação, comprando o seu primeiro navio Le Renard ao qual outros se seguiriam . Concessionários de uma «marina» , os irmãos efetuam trocas comerciais no oceano Índico até à China, bem como com a Metrópole. Gabriel manda construir três novas marinas que abastecem diretamente as suas fábricas e os seus armazéns de Saint-Philippe, Manapany, Vincendo, Langevin. Nos anos 1850, propõe um projeto de porto em Saint-Pierre ao governador Darricau. Exporta café e açúcar para os portos de Havre, Nantes, Bordeaux e detém o monopólio da importação de tecidos (tafetá, lençóis, gaze, musselina, chapéus), ferragens, perfumaria, selaria, bebidas espirituosas de luxo (champanhe, uísque, cerveja). Os seus navios também carregam arroz em Madagáscar, na Índia e até na Abissínia. Guarda as existências num grande armazém  nas encostas do rio Rivière d’Abord em Saint‑Pierre.

Constrói outros armazéns em Saint-Joseph, Étang-Salé, Saint-Leu, Champ-Borne e, o mais importante, em Saint-Denis.
Todavia, Gabriel dedica-se sobretudo ao açúcar. Quatro anos após a morte do pai, o valor das terras e dos escravos no património passa de 33 % para 72 %. De 1828 a 1860, Gabriel de Kervéguen realiza várias aquisições, constituindo um imenso domínio que passa de menos de 100 ha em 1828 para 2000 ha em 1840, e de 3100 ha em 1848, para mais de 5000 ha em 1860. A base fundiária situa-se no sul, perfazendo 5199 ha, ou seja, 92,8 % do total (2895 ha em Saint-Pierre, 1449 ha em Saint-Louis, 754 ha em Saint-Joseph e 101 ha em Saint-Philippe). Mais tarde, em 1852, investiu no nordeste, em Quartier-Français (210 ha), e em 1854 no oeste, em Saint-Leu (160 ha na localidade de Portail).
Às duas refinarias de açúcar que lhe legara o pai acrescentou outras, de modo que em 1836 já possuía seis estabelecimentos. De acordo com o contrato de casamento da filha Emma 

com Napoléon Mortier de Trévise , à data da sua morte, em 1860, possuía treze estabelecimentos, facto evocado pela compositora Célimène  :

«Monsieur de Kervéguen / n’est pas riche en vain / il a beaucoup de noirs / et treize établissements».
(«Monsieur de Kervéguen / não é rico em vão / tem muitos Negros / e treze estabelecimentos»).


Esses três estabelecimentos consistem em dez fábricas e três destilarias. O coração da atividade situa-se em Saint-Pierre: acima da cidade, a fábrica Casernes, herdada do pai e a mais potente da ilha, com uma capacidade de 1 000 toneladas de açúcar; a fábrica Mon Caprice (800 toneladas), na estrada de Le Tampon; em Petit Tampon (500 toneladas; adquirida aos irmãos Hoareau em 1837);

em Entre-Deux (400 toneladas; refinaria descrita no Álbum de Roussin com o nome de Etablissement de La Rivière). Em Saint-Joseph, o Piton (sete), no sopé do pico Babet (1854, 300 t);

em Langevin (1839; 500 t) e em Vincendo (comprada em 1852 com Montbel-Fontaine, 500 t). Em Saint-Louis, a fábrica La Chapelle ou Les Cocos (comprada ao irmão em 1847; 700 t), e depois a fábrica Etang-Salé (300 t, adquirida ao sogro André Chaulmet em 1841). Por último, no nordeste, uma fábrica no Quartier-Français, criada em 1852 (800 t). As três destilarias de aguardente de cana localizam-se em Les Casernes (150 000 litros), Etang-Salé (100 000 litros) e Quartier-Français (100 000 litros).
Graças a essas fábricas, Gabriel de Kervéguen torna-se o maior empregador privado da colónia. Até 1848, emprega 1538 escravos, a maioria em Saint-Joseph com 41,6 % e Saint-Pierre com 41,4 %, seguidos de Saint-Louis (9,5%) e Saint-Philippe (7,5 %). Esses escravos são maioritariamente de sexo masculino (73%), em conformidade com a regra geral. São oriundos de etnias diversas, por razões económicas (considera-se que as competências de cada etnia são inatas) e políticas (esse facto permite evitar tensões e revoltas pois gera-se menos solidariedade entre grupos que não conseguem comunicar devidamente e, por conseguinte, não se entendem entre eles). Em 1830, o grupo dominante presente nas propriedades de Gabriel de Kervéguen é o dos Cafres (57 %), seguido do dos Malgaxes (33 %) e do dos Crioulos mais aculturados (8,5 %), sendo os Indianos ainda poucos (1,5 %). Em 1847, os Crioulos (50,7 %) superaram os Cafres (34 %), os Malgaxes (13,5 %), e os Indianos (2 %). Uma minoria de Negros recebe qualificação profissional: aos escravos «de talento», que constroem refinarias, acrescem os «escravos técnicos» que produzem o açúcar, operam e fazem a manutenção das máquinas (30 %). Todavia, a maioria é composta por «Negros de picareta» (70 %).
Os escravos são albergados em cabanas de duas ou três pessoas. Na fábrica de Etang-Salé em 1841, 81 escravos vivem em «30 cubatas de Negros cobertas de folhas, em mau estado», construídas em palha, sobretudo em madeira, raramente em pedra, por vezes dispersas pelo lugar, na maioria agrupadas perto da casa, num «acampamento de Negros». São tão maltratados por Kervéguen, um fervoroso antiabolicionista, como por outros senhores. Em 1848, nos seus estabelecimentos de Saint-Pierre há 4 % de marrons (escravos fugitivos), sobretudo «pequenos marrons» . Em Le Tampon, onde vivem mais de 200 escravos, são recenseados mais de 26 delitos: sete casos de marronnage (fuga), punidos com quinze dias de prisão que, segundo Kervéguen, são alvo de escárnio por parte dos Negros: «Desde os novos decretos [«Lois Mackau», 1845], escreveu ele, os Negros… consideram os quinze dias de prisão como um tempo de repouso, e frequentemente zombam disso»; dois casos de insubordinação perante o capataz ou o vigia (quinze dias de prisão); quatro casos de ausência ou recusa de trabalhar (quinze ou dez dias de prisão; treze casos de roubo de cabritos, coelhos, tartarugas, galinhas, arroz, café verde, açúcar e xarope igualmente punidos com quinze dias de prisão. Os atos de resistência (52 %), são concomitantes com os roubos, a fim de melhorar uma alimentação pobre ou para trocar por dinheiro junto a recetadores (48 %). A dureza do trabalho, a brutalidade da supervisão, a miséria, a aplicação sistemática das penas leva a que, uma vez alforriada em 1848, esta população deixe as fábricas em massa. Em 1857, dos 3203 contratados apenas 249 eram pessoas que haviam sido alforriadas em 1848 (7,8 %), aos quais acrescem algumas pessoas que exercem trabalho doméstico e que são próximos da família.

Não obstante a sua recusa da abolição, que manifesta amiúde perante o Conselho Colonial, Kervéguen não deixa de tirar partido da emancipação. Como possui tesouraria, antes do pagamento efetivo da indemnização em 1852, compra vários títulos de indemnização, a um preço abaixo do valor, a pequenos proprietários satisfeitos por assim limitarem as suas perdas. Ao declarar apenas 1538 dos escravos, obtém o reembolso de 10 000 títulos!
Após 1848, é o maior empregador de pessoas contratadas da ilha da Reunião, com 3203 trabalhadores em 1857. Africanos (30 %), Indianos (23 %), Malgaxes (23 %), percentagens que variam de um estabelecimento para o outro. O espaço de vida desta população não é o mesmo: considerados estrangeiros culturais, os contratados são sistematicamente agrupados em acampamentos mais afastados da «Grand’Case» (Casa grande), alojados em cabanas coletivas. As condições de vida e de trabalho mudam pouco comparativamente às da escravatura. Trabalham onze horas por dia, menos duas horas para as refeições; cada domingo recebem arroz, bacalhau, sal, leguminosas, bem como duas mudas de roupa por ano; por vezes beneficiam de cuidados médicos (de Lissègues, de Mahy) e auferem os seus ínfimos salários a cada dois meses.
A questão do salário leva Kervéguen a realizar uma operação característica do universo colonial. Considerados sóbrios, trabalhadores e poupados, os contratados desconfiam do dinheiro de papel e preferem ser remunerados em moedas, facto que o contratador aceita para incitá-los a renovar os respetivos contratos. Porém, a Reunião carece de numerário, pelo que Kervéguen resolve importar moedas num valor de 20 kreuzers (zwanziger), que haviam sido recentemente desmonetizadas, a fim de pagar os salários. Em 1859, com a aprovação das autoridades, foram introduzidas 227 000 moedas marcadas com um «K».

A operação é um êxito, de tal modo que centenas de milhares de kreutzers afluem ilicitamente à ilha. Quando, vinte anos após a morte de Gabriel, em 1879, o governo da IIIª República decide retirar de circulação as moedas estrangeiras das colónias, pelo que a confiança nessas moedas, cujo número ascende a mais de 800 000, cai significativamente, resultando na falência e na ruína de utilizadores e comerciantes. Depois de um longo processo, o filho, Denis-André, compromete-se a reembolsar as 227 000 introduzidas inicialmente na ilha.
Durante toda a sua vida, Gabriel de Kervéguen, manifesta muita prudência relativamente à vida pública, evitando ligar-se a um qualquer regime, recusando honras e condecorações, inclusivamente a Legião de Honra. Distingue-se somente pela compra ao Vaticano de um título de «conde romano» e pela construção de uma esplêndida mansão em Casernes.

No meio do jardim, um recanto e resguardo de verdura que separava a casa da refinaria e do acampamento dos Negros, havia duas casas com um andar unidas por uma varanda coberta orientada para «o vento da terra» vindo da montanha, na grande sala de jantar com três janelas. A decoração de uma fachada, a encenação da mansão sobre um vasto alpendre, a sua situação defronte à baía onde se avistam os navios graças aos quais a família enriquecera, espelham o desejo de representação do rico fabricante de açúcar.
Gabriel de Kervéguen morre dia 4 de março de 1860 num acidente de carroça em Paris, estando sepultado no cemitério Père Lachaise.

Ele representa a passagem da agricultura clássica para uma agricultura com o máximo de lucro, convertendo o plantador em empresário capitalista. A cana-de-açúcar deixara de crescer nas suas terras para dar lugar ao crescimento de dinheiro.

Denis-André Le Coat de Kervéguen (1833-1908), o filho mais velho, ficara órfão de mãe muito cedo, sendo portanto criado pelas domésticas da família na casa de Casernes e mimado pelas tias das quais a pintora Adèle Ferrand, esposa do tio Denis-François.

Após breves estudos no Collège Royal de Saint-Denis, associa-se ao pai nos negócios familiares através de uma sociedade em comandita destinada a preservar a fortuna da família. Após a morte do pai, dedica-se a modernizar a herança industrial, pelo que se associa ao cunhado, Hippolyte Mortier (1835-1892), no âmbito da empresa Société Le Coat-Trévise que se desfaz dos estabelecimento menos rentáveis (Piton Rouge, Etang Salé) e cujo produto permite investir em novas máquinas. O florão da empresa é a refinaria de Quartier Français, reconstruída a partir de 1870 e equipada com caldeiras de triplo efeito, de um desfibrador e de filtros para depurar as massas cozidas, levando ao encerramento dos estabelecimentos mais próximos.

Geridos por homens de confiança, mais ou menos aparentados à família, as refinarias elaboram produtos premiados nas exposições universais como a de 1867 (açúcar, rum). Em finais do século, Denis-André de Kervéguen vende algumas das suas terres (Le Tampon, Saint-Pierre), devido ao facto de a ilha atravessar uma crise económica grave e ao endividamento junto ao Crédit Foncier Colonial. Kervéguen tenta atenuar as dificuldades investindo na Nova Caledónia, a pedido do governador Guillain, outrora comandante da estação naval de Bourbon (1836-1839). Contudo, a sociedade Ouaménie-Le Coat, fundada com o reunionense Nas de Tourris, resiste durante apenas cerca de vinte anos. Contrariamente ao pai, Denis-André, efetua estadias frequentes na França continental onde se casa com a irmã de François de Mahy, no palácio de Escoire (Dordogne). Os filhos nascem no seu prédio de Faubourg Saint Honoré em Paris. Embora permaneça estreitamento ligado aos seus negócios da Reunião e se dirija ao Conselho geral da ilha algumas vezes, começa a preparar o retorno da família enriquecida à pátria ancestral. Falece em Paris, onde se instalara em fevereiro de 1908, após ter associado o filho Robert aos negócios da sociedade em comandita.

Robert Le Coat de Kervéguen nasce em Paris em setembro de 1875, e é o segundo filho de Denis-André Le Coat de Kervéguen e de Adèle de Mahy, irmã de François de Mahy .

Robert estuda no Collège Stanislas, e de seguida tira o curso de medicina, um período marcado pelas extravagâncias dos jovens peraltas da diáspora reunionense. Quando regressa à Reunião não abre um consultório, mas pratica medicina nas termas de Salazie. Após a morte do pai, retoma os negócios familiares mediante uma nova sociedade em comandita constituída entre ele próprio, os parentes do cunhado (Rochechouart-Mortemart) e a tia Emma, viúva de Mortier. Na ordem do dia está a modernização (procedimento de mistura de massa cozida e instalação de turbinas hidráulicas Weston) e a racionalização das instalações industriais. A fábrica de Le Tampon encerra em 1902, enquanto os investimentos passam a concentrar-se na fábrica de Casernes (que centraliza a cana proveniente das propriedades de Le Tampon), na fábrica de Quartier Français (destruída por um incêndio em 1899, mas imediatamente reconstruída e equipada com material americano) e na fábrica de Gol (a sua aquisição em 1902 endividou consideravelmente a empresa). Juntamente com o Crédit Foncier Colonial, torna-se o principal produtor e industrial de açúcar da ilha e assume o cargo de presidente do sindicato dos fabricantes de açúcar fundado em 1908. As suas atividades são marcadas por um comportamento que a sociedade crioula considera escandaloso. Antes de se casar com Augustine de Villèle (1917), Robert tem um caso com a atriz Mlle Deverne, que se muda para o «château» de Bel Air  (Le Tampon) que ele lhe comprara em 1908.

Trava uma longa batalha, caracterizada por rancores, mesquinharias e atribuição de culpa, contra o Padre Rognard, indignado com a miséria dos colonos de Kervéguen.

Como muitos empresários que criticam o sistema de previdência criado pela abolição da escravatura, Robert de Kervéguen participa na vida política da ilha. Defende os interesses dos industriais do açúcar junto do governo de Doumergue e faz parte de uma delegação na Comissão Permanente do Açúcar (Bruxelas) no sentido de os representar; a partir de 1903 torna-se membro da União Colonial Francesa. Em 1914, apresenta-se como candidato conservador nas eleições legislativas contra Georges Boussenot, na esperança de obter os votos dos seus dependentes, trabalhadores e colonos. Após uma campanha de rara violência, Kervéguen, que encarna uma visão retrógrada da sociedade reunionense, ancorada na ignorância e na subserviência aos poderosos, é derrotado. A 20 de março de 1920, por razões pouco claras – fracasso político, infelicidade familiar, receio de uma reforma agrária prejudicial, incertezas internacionais sobre o destino das colónias, oportunidade de tirar partido da subida em flecha do preço do açúcar –, liquida todos os bens da família na Reunião em prol da Société Foncière Maurice-Réunion Limited, embora apenas recupere uma parte do preço de venda e as dívidas do Gol não sejam saldadas. A sensação de não estar em fase com a realidade da ilha, o cansaço devido à situação, torna-se evidente. Quando regressa a França, Robert de Kervéguen compra o Château de Vigny (em Vexin) e morre em Paris, em abril de 1934.

Na ilha Bourbon dos dois primeiros membros da família Kervéguen, o dinheiro substitui a ausência de distinção honorífica e de origens nobiliárquicas. Em última análise, o dinheiro poderia ser equiparado à especulação, se não fosse o facto de, a partir dos anos 1820/30, haver também uma vontade de expandir a empresa através da gestão pessoal.
Depois deles, Robert de Kervéguen vê o dinheiro apenas como uma comodidade e não como um símbolo de posição social. O rendimento pessoal permite fazer boa figura na sociedade, afirmar a sua posição e fazer carreira. A era do plantador omnipotente termina na década de 1880. A lógica do sufrágio universal, invisibilizada pelo paternalismo e pela dependência assistencialista próprios da Reunião, amplificada pela legalização dos sindicatos, faz emergir uma nova geração de dirigentes sindicais e políticos (Gasparin, Boussenot), cujo objetivo é melhorar as condições de trabalho e de rendimento dos trabalhadores da Reunião. Neste contexto, as margens de lucro das empresas açucareiras diminuem ainda mais.
O sentimento de que a guerra, de alguma forma, colocara termo à era de prosperidade e segurança da burguesia, agora partilhada por toda a ilha, explica também esta contração, que foi rapidamente acompanhada por um apagamento da memória.

Notas
1 Com Anne Marie Zacharine Chaulmet (1831) cujo dote continha o domínio da Ravine des Cabris.
2 Os navios Gabriel, Joséphine e Emilie-Ezilda, armados pela sociedade de navegação Kervéguen, Desrieux & Compagnie.
3 Desembarcadouro de pedra.
4 Hoje sede da coletividade das Terras austrais e antárticas francesas.
5 De acordo com o governador Hubert Delisle ela era, «o mais belo partido das duas ilhas».
6 Bisneto de Edouard Adolphe Casimir Joseph Mortier (1768-1835), marechal de France (1804), e depois duque de Trévise (1807), ligado a Louis XVIII.
7 Célimène Jeance (nome de casada Gaudieux), 1806-1864, cançonetista de la Saline, neta do poeta Evariste de Parny.
8 O grande marronnage tinha uma duração superior a um mês, enquanto o pequeno marronnage durava de três dias a um mês.
9 Médico, deputado anticlerical, ministro da Marinha e das Colónias (interessa-se pela colonização de Madagáscar), ministro da Agricultura de 1830 a 1906.
10 Um dos principais lugares de rodagem do filme de filme de Truffaut, A sereia do Mississipi (1969).
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Autor
Jean-François GÉRAUD

Historiador
MCF Universidade da Reunião,
CRESOI – OIES