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A «casa» de Kervéguen

Um artigo redigido por o historiador Jean-François Géraud.

Os habitantes da Reunião não desconhecem o nome Kervéguen, porém não lhe conhecem o significado. O nome designa, por exemplo, uma encosta, um armazém, um auditório e algumas ruelas, elementos do património natural ou material. Todavia, não se refere, de forma alguma, a seres humanos, a uma certa família, quase como se fosse uma dinastia que, no entanto, influenciou a história económica da Reunião, se é que não moldou verdadeiramente o seu destino.

De facto, durante quatro gerações, a família Kervéguen, estabelecida principalmente no sul da ilha, em Saint-Pierre, desenvolveu uma atividade económica que contribuiu para a prosperidade da ilha e, sobretudo, para o seu próprio enriquecimento. A família Kervéguen é um exemplo da abundante migração de franceses da França continental para as colónias e, em particular, para a ilha de Bourbon, ou seja, a Reunião, que, desde o final do século XVII até ao início do século XX, viram na ilha um porto seguro e uma terra de oportunidades. Muitos deles eram oriundos da região da Bretanha, habituados a fazer-se ao mar, e provavelmente constituíam 30 % dos primeiros povoadores da ilha, sem que o fluxo se tenha esgotado a partir daí. Eram também fidalgotes provincianos que se sentiam ameaçados e privados de qualquer perspetiva no contexto da revolução francesa.

Este foi o caso do primeiro Kervéguen, que chegou a Saint-Pierre no final do século XVIII, em 1796, um fidalgote sem renome, mas que colocou a sua habilidade, dinamismo e audácia ao serviço de uma história de êxito que se concretizou a pouco e pouco. Os elementos deste sucesso, que seria prosseguido pelos seus descendentes, são o comércio, os casamentos lucrativos e o talento para os negócios resultantes da conversão para o açúcar. A estratégia do primeiro membro da linhagem Kervéguen, Denis Marie, é retomada de forma quase idêntica pelo filho Gabriel, pelo neto Denis André e pelo bisneto Robert.
Acumularam terras plantadas com cana-de-açúcar em Saint-Pierre, Saint-Joseph, Saint-Philippe, Étang-Salé e, mais tarde, no Quartier Français, a leste. Construíram cerca de uma dúzia de fábricas de açúcar e três destilarias. Ali se concentraram mais de 1500 escravos, seguidos por nada menos que 3200 trabalhadores contratados, que tratavam com a mesma severidade que os outros habitantes proprietários. No entanto, estes proprietários foram sensíveis à evolução da conjuntura económica, modernizando e concentrando progressivamente a ferramenta de trabalho e realizando investimentos que, no início do século XX, se revelariam indiscutivelmente demasiado arriscados. A esta perícia económica juntou-se uma destreza financeira que, por vezes, se assemelhava a vigarice. É este o retrato de uma família de imitadores que, contrariamente aos Desbassayns, e pese embora a mudança de escala, não foi genuinamente fundadora nem criadora.
A sua ousadia e o seu saber-fazer inscrevem-se num contexto estritamente local, onde rareavam os representantes metropolitanos ou internacionais. Estas competências não bastaram para fazer face às dificuldades e aos constrangimentos de uma conjuntura mundial que acabou por se manifestar desfavorável à atividade açucareira colonial. Tanto mais que, geração após geração, os chefes desta família continuaram a querer viver o modo de vida onírico do fidalgote revanchista, subestimando as grandes ruturas sociopolíticas que converteram os escravos em homens livres e que deveriam ter tornado os trabalhadores alforriados ou contratados em homens responsáveis. Essa classe dominante tentou perpetuar padrões autoritários sobre uma população que recusavam ver como independente. O desfasamento relativamente à realidade histórica, que se tornou insuportável após a Primeira Guerra Mundial, provocou, indubitavelmente, no descendente desta dinastia, Robert de Kervéguen, um sentimento de irrealização e de fracasso, que o levou a liquidar os seus negócios da Reunião, a abandonar a colónia e a regressar à França continental para viver das rendas obtidas num país cujo destino a sua família nunca partilhou verdadeiramente.

Não é, pois, de estranhar que estes homens, que se encontravam numa posição predatória, não tenham deixado outra memória para além da memória, impessoal, plasmada em alguns lugares de segunda categoria.

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